Governo testemunhou milagres da IURD no dia D
Por Lázaro Mabunda
Por outras palavras, o Governo licenciou burladores para actuarem livremente num mercado de “cegos”.
O Governo, através do primeiro-ministro, Aires Ali, testemunhou e legitimou, há dias, os milagres protagonizados pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Cada vez mais fico convencido de que o poder financeiro da Igreja Universal não só já controla o poder político, judicial, o sistema financeiro, a imprensa, o parlamento, como também os manipula. É assim que funciona a máfia. Primeiro, controla o sistema financeiro, depois o político e, finalmente, o país, determinando as regras do jogo, em todos os sectores.
A partir da altura em que um governo acede a um convite de um grupo religioso que se aproveita da ingenuidade e da fraqueza espiritual de um povo desesperado pelas injustiças sociais, esse governo não pode, de modo algum, perspectivar o seu destino, nem prognosticar o seu futuro. Esse tipo de igrejas só prospera num país pobre, onde encontra um povo desesperado pelo sofrimento a que está sujeito, cujos problemas sociais superam a sua própria expectativa da vida. Um povo desesperado está sempre à espera de salvação. Mesmo que, para tal, essa salvação signifique investir o que não se tem para a sua consecução.
Não compreendo como é que um governo, por via do seu primeiro-ministro, vai legitimar e testemunhar que uma determina seita religiosa faz milagres, ou seja, retira os pobres da pobreza mediante o pagamento de dízimos e apostas, cura cegueira, os coxos deixam de sê-los, os mudos passam a falar, cura doenças incuráveis. Não compreendo também como é que um governo, que se digna responsável, decide apoiar actividades de um grupo religioso que prega a ideia de que a medicina tradicional, usada por maioria do povo moçambicano, é obra diabólica, não aconselhável, o que contraria, até, o projecto do Governo de intensificar a investigação na área de medicina tradicional. Aliás, isso fez com que em 2009, o Governo, através do Ministério da Saúde, na altura de Ivo Garrido, aprovasse a criação do primeiro Instituto de Medicina Tradicional no país, para “promover a valorização deste sector, que tem prestado a sua contribuição para o desenvolvimento da saúde.”
Parece-me estarmos perante um governo de gente de memória a curto prazo para não se lembrar de que quase tudo o que a Igreja Universal prega como seu evangelho é contrário aos seus planos sociais, quer da redução da pobreza como do combate a doenças diversas, cuja medicina convencionar ainda tem dificuldade de curá-las. Ao ser testemunha das actividades aparentemente ilícitas, o Governo está a emitir uma licença à Igreja Universal no sentido de intensificar o seu exercício de manipulação social com vista a enganar os menos atentos, sobretudo os pobres, a darem o que não têm para a sua salvação e prosperidade. Por outras palavras, o Governo licenciou burladores para actuarem livremente num mercado de “cegos”.
É espantoso que o Governo não tenha procurado informar-se sobre os problemas que esta igreja tem tido noutros países. Em Angola, foi banida por esse exercício de manipulação. Em Portugal, um crente que apostou 150 mil euros e não teve nenhum retorno, levou a igreja à barra da justiça. Foi burlado. Aqui em Moçambique há relatos disso também. No Brasil, no mês passado, o Ministério Público Federal acusou a IURD de ser uma quadrilha de lavagem de dinheiro dos fiéis. Esta igreja teria utilizado os serviços de uma casa de câmbio de São Paulo para mandar recursos financeiros de forma ilegal para os Estados Unidos, entre 1999 e 2005. Mais: “pregadores valem-se da fé, do desespero ou da ambição dos fiéis para lhes venderem a ideia de que Deus e Jesus Cristo apenas olham pelos que contribuem financeiramente com a Igreja, e que a contrapartida de propriedade espiritual ou económica que buscam dependem exclusivamente da quantidade de bens materiais que entregam”.
O Combate à pobreza que o Governo apregoa deve passar por combate às burlas à população, a todas as formas que contribuem para o empobrecimento dessa população. Quando um chefe da família deixa de pagar a escola dos filhos e de os alimentar porque tem de doar esse valor à igreja como aposta ou dízimo, o Governo deveria preocupar-se e, acima de tudo, devia prender os autores dessa burla em nome de combate à pobreza e da protecção dos seus cidadãos contra os burladores revestidos de pele de Deus. Aliás, a campanha do dia D, num país normal, mais do que ser testemunhada e legitimada pelo Governo, era motivo para se iniciar uma aturada investigação para se apurar os seus reais objectivos e a proveniência do dinheiro usado para o efeito em campanhas publicitárias, arrendamentos de três estádios, aluguer de viaturas, entre outros.
O PAÍS
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