quinta-feira, 21 de novembro de 2019
As armas que a Junta Militar de Mariano Nhongo está a usar são aquelas que a RENAMO sempre teve. Quem o diz é o especialista em desarmamento Albino Forquilha, que afirma: "Existem muitas armas escondidas em Moçambique".
Em entrevista à DW África, o diretor da Força Moçambicana para a Investigação de Crimes e Reinserção Social (FOMICRES), Albino Forquilha, afirmou que as armas que a Junta Militar de Mariano Nhongo está a usar não são de apoio externo, mas sim aquelas que a RENAMO sempre teve.
Albino Forquilha, que garante que "existem muitas armas escondidas" no país, diz que isto coloca Moçambique numa situação "perigosa".
De acordo com o ex-militar, as províncias de Inhambane, no sul, Sofala, Manica, Tete e Zambézia, no centro, e Niassa, no norte, são as regiões "com indicadores bastante fortes de haver esconderijos" de armas.
Forquilha disse ainda que durante o processo de desarmamento e acantonamento dos militares, pouco depois do fim da guerra em 1992, as Nações Unidas e o Governo de Moçambique não conseguiram responder às denúncias da população de existência de armas escondidas nas suas povoações.
DW África: Como surgem os ataques que estão a ser levados a cabo no centro de Moçambique?
Albino Forquilha (AF): Estes são ataques que advêm do deficiente acordo de paz definitiva assinado a 6 de agosto de 2019, antecedido de um outro assinado em Xitengo, em Sofala, referente ao desarmamento e desmobilização. Muitos disseram, inclusive eu, que estamos perante um acordo frágil ou mesmo deficiente, porque ele não assentava a todos os fatores de risco que poderiam advir por cima do mesmo acordo. Este desarmamento, desmilitarização e reintegração das forças residuais da RENAMO têm mais a ver com a desmobilização dos militares residuais da RENAMO do primeiro Acordo Geral de Paz, de 1992, que não conseguiu remover efetivamente todos esses elementos. E essas negociações nestes últimos tempos, que culminaram com a assinatura do acordo de 6 de agosto, são efetivamente para completar o acordo de 1992. Havia a necessidade para que todos os aspetos em volta deste grupo fossem devidamente tratados, o que não aconteceu. Para se chegar a este acordo houve muita confiança entre o falecido líder da RENAMO [Afonso Dlhakama] e o Governo, e [o processo] foi retomado, com sucesso, pelo atual líder Ossufo Momade. Do lado do Presidente [Filipe] Nyusi houve muita ansiedade em assinar o documento rapidamente para trazer resultado durante a campanha eleitoral. Esta questão da paz, das hostilidades militares, não é apenas assunto da RENAMO. O Presidente da República tinha, quanto a mim, toda uma responsabilidade e caminho criado para que não se assinasse o acordo antes de unificar aquela força da RENAMO. Isso não aconteceu e as consequências são esses ataques.
DW África: Disse que o país está num cenário perigoso por causa da atuação da Junta Miliar. Como desarmar esta Junta Militar?
AF: Agora o assunto é um pouco complicado. Não falaria apenas em desarmar a Junta Militar, mas falaríamos também daquela força que está acantonada, sob responsabilidade da RENAMO e dentro do próprio acordo. O único meio que pode restar para ter esta força desarmada e desmobilizada é ir para o campo de aproximação e negociar. Querendo efetivamente conversar com a Junta Militar, deverá fazer-se mais uma revisão do acordo de paz.
DW África: Na sua opinião, onde o general Nhongo e a Junta Militar adquirem armas para desencadear os ataques?
AF: Posso falar com alguma propriedade que fui parte do processo de desarmento no país. O país deixou de trabalhar na identificação e remoção de armas na altura que havia grande necessidade. A paz em 1992 foi recebida com muita euforia pelos moçambicanos, o que pôs abaixo o desarmamento. Os fatores de risco que poderiam causar disparos estavam iminentes no nosso país. Tínhamos a população muito traumatizada pela guerra, pobreza. Agora temos vários esconderijos de armamento no país. O general Nhongo pode não precisar de reparar para o exterior. Nós quando estávamos a recolher o armamento, só a sociedade civil, devo dizer que de cerca de 150 mil armas que recolhíamos por ano, tínhamos sempre cerca de 30% de chamadas das populações para recolher armamento que não conseguíamos cumprir. E sempre que fôssemos ao campo, tínhamos muito armamento recolhido, o que fica como indicação clara de que nós paramos com o desarmamento quando havia muita necessidade de o fazer. Mesmo em 2013, quando a RENAMO começou com as hostilidades, ainda havia muito armamento. Eles podiam enfrentar muito bem o exército, porque tinham armamento e munições. Não creio que esse armamento esteja a ser descarregado. Nas nossas pesquisas não há indícios de que o armamento venha de fora. Temos muito armamento por recolher no nosso país.
DW África: Até que ponto uma arma obsoleta pode constituir um perigo?
AF: Tecnicamente é obsoleta quando não dispara mais. Quando estiver a disparar, não é obsoleta. Agora, muitas das armas que encontrávamos nos esconderijos estavam devidamente conservadas. Já encontrámos armamento em locais devidamente cavados e cimentados. E temos aquele armamento que o soladado abandonava por causa da intensidade da guerra, ou enterrava, ou deixava num sítio. Esse sim é que estava obsoleto. E depois, quando temos ainda no país pessoas que necessitam deste armamento, como temos recorrentemente hostilidades, as pessoas passam a cuidar desses artefatos.
DW África: Quais as zonas onde há muitas armas escondidas?
AF: Nós não tivemos um plano e fomos recolher as armas de forma esporádica e apresentámos um plano nacional que não foi bem vindo, porque não se queria amedrontar os turistas. Lembro-me de um estudo que fizemos na altura, que demostrou que havia muitos esconderijos coletivos, como chamávamos na altura. O Governo disse para não publicar este estudo pelas mesmas razões, de tal forma que é difícil dizer. Mas do trabalho que fizemos entre 1995 a 2005, temos as províncias de Inhambane, Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Niassa. São as regiões com indicadores bastante fortes de haver esconderijos - e estou a falar de um estudo que fiz. E estamos a falar de esconderijos coletivos. Mas temos muitos outros materiais de guerra de conhecimento individual. Durante a guerra tivemos uma população quase armada e cada um abandonava os campos de guerra quando tivesse oportunidade, e as armas foram lá abandonadas. E este é o segundo nível de desarmamento que colocamos à comunidade internacional aqui em Moçambique.
DW África: Significa que a Junta Militar conhece muito bem as zonas onde estas armas estão escondidas e é lá onde vai buscar?
AF: A Junta Militar é a extensão da força militar da RENAMO. Eles conhecem muito bem os campos de guerra e os melhores esconderijos. Então, eles têm essa matéria toda. Não estariam a fazer esse desafio sem que contemplassem os meios necessários para tal. Eu acredito que eles têm esse conhecimento, que pode fragilizar o país do ponto de vista da paz.
DW África: Acha que Nhogo pode levar uma guerra de dimensão dos 16 anos?
AF: Não tenho dúvidas. Se bem que a Junta Militar não quer fazer uma guerra comparada a dos 16 anos. Mas os homens residuais da RENAMO que estão à espera de serem desmobilizados podem neste momento, de certeza, estarem a pensar em se juntar aos guerrilheiros da Junta Militar. Ninguém sabe neste momento quantas pessoas estão com o general Nhongo.
por: Romeu da Silva
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