14/11/2019
FRELIMO ainda não consegue confirmar algo simples: se o valor entrou, ou não, na sua conta. Mas o comprovativo apresentado no julgamento nos EUA já é suficiente para que a PGR abra uma investigação, entende jurista.
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Há cerca de duas semanas, no contexto do julgamento do caso de crimes financeiros ligado às dívidas ocultas moçambicanas que decorre nos EUA, procuradores apresentaram comprovativos de transferências bancárias de 10 milhões de dólares, em 2014, por uma subsidiária da empresa Privinvest para o comité central da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder).
Desde a divulgação, o partido manteve-se num silêncio sepulcral até esta semana. Depois de várias tentativas da DW, o porta-voz da FRELIMO, Caifadine Manasse, disse apenas: "Nós, como partido, estamos a acompanhar, como também a rádio está a acompanhar, sobre documentos que estão a ser apresentados no tribunal. São partes no tribunal e cada um está a apresentar aquilo que é a sua defesa."
Desculpando-se, o porta-voz acrescenta ainda: "Estamos a sair de um processo eleitoral, de uma campanha eleitoral, e sobre esse assunto estamos a acompanhar através da imprensa."
Dificuldade em confirmar transação
O partido FRELIMO tem uma conta ou provavelmente várias: o partido recebeu, ou não, o valor em causa?
O porta-voz não responde diretamente à pergunta: "Acompanhamos na comunicação social que alguns estão a apresentar provas e não sabemos se é uma prova [...] O que estamos a fazer é a acompanhar e, havendo qualquer posicionamento, oportunamente, como temos falado, iremos dizer alguma coisa", respondeu Caifadine Manasse.
Atualmente, saldos e movimentações bancárias podem ser consultados muito facilmente e rapidamente através de aplicativos nos telemóveis ou serviços online. Em menos de 5 minutos é possível confirmar se houve ou não transação. Apesar disso, a FRELIMO ainda não confirmou.
Justiça será feita?
A divulgação do suposto envolvimento do partido deixou muitos moçambicanos estupefactos. A sociedade civil, que mostra preocupação com o crescente número de envolvidos no caso, está particularmente atenta à suposta ligação do partido no poder.
Para Paula Monjane, diretora executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), o "mais preocupante é o envolvimento do partido no poder em Moçambique nas dívidas ocultas". Por isso, a responsável tem um receio: "no contexto de Moçambique, onde o partido no poder e o Estado confundem-se, ficamos, como moçambicanos, preocupados com a possibilidade de que a justiça possa [não] ser feita."
Caso visto à luz da lei dos partidos
Entretanto, convidado pela agência de notícias Lusa a reagir, a FRELIMO manifestou disponibilidade para se pronunciar em tribunal sobre a alegada transferência. A confirmar-se a transação, o jurista Rodrigo Rocha lembra que este caso teria de ser visto também à luz da lei dos partidos.
"O partido tem de justificar porque está a receber fundos de privados", afirma. "Existe uma lei dos partidos políticos, que de alguma forma regula o financiamento dos partidos políticos, que diz que os partidos políticos são financiados pelas cotizações dos seus membros e também são financiados por donativos de privados e há uma parte pequenina do Orçamento de Estado. Agora, tem de se provar que a remessa desses fundos, os 10 milhões, ocorreu de uma forma lícita e com uma transferência lícita. Se não o fez, então esse partido faz parte do rol de entidades que recebeu de forma ilícita fundos de uma atividade criminosa."
Caso pede investigação da PGR
Apesar da FRELIMO ainda não ter confirmado se recebeu, ou não, os dez milhões de dólares, o documento apresentado no Tribunal de Brooklyn será suficiente para a Procuradoria-Geral da República abrir uma investigação ao caso?
"Poder abrir não, tem de abrir [uma investigação]", responde Rodrigo Rocha. "
"A partir do momento em que há indício de uma atividade criminosa e esta, no meu entender, é bastante grave, porque mostra que houve afetação de fundos num valor considerável por parte de um partido, a PGR é obrigada a fazer uma investigação", esclarece.
DW – 13.11.2019
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