Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
O assunto é por demais urgente.
Moçambique está resvalando inexoravelmente para um novo conflito armado sem que se veja vontade real para alterar o perigoso curso das coisas.
Se antes se duvidava do que queriam os protagonistas, hoje, através de acções sancionadas ou incontroláveis, observam-se sinais de confrontação mais aberta de forças governamentais e da Renamo.
A história de que existe uma terceira força cai por terra logo que se analise as questões. Existirá é um departamentalismo extremo, ao qual os não autorizados não têm acesso.
Face aos assaltos, emboscadas, assassinatos políticos, ataques a esquadras da PRM e quartéis das FADM e bases da Renamo, estão ficando montadas as peças que configuram guerra.
As represálias ocasionadas por rapto contra rapto colocam distritos rurais em alvoroço e as populações
se refugiando no Malawi. Daqui a pouco, ouviremos dizer que existem refugiados de guerra moçambicanos no Zimbabwe e na África do Sul.
Com os “dossiers” discordantes conhecidos e com os impasses que se verificam, já dá para entender que os interlocutores e ex-beligerantes não possuem condições concretas para encetarem negociações frutíferas.
Então, o que fazer?
Sejamos práticos e admitamos que precisamos de mediadores para que as eventuais negociações se traduzam em sucesso e que o espectro da guerra seja afastado definitivamente.
Existem duas “troikas”: EUA, Rússia, Portugal, Itália e eventualmente o Reino Unido; a outra “troika” seria África do Sul, Tanzânia, Zimbabwe e Angola. Estes dois grupos têm interesses concretos em Moçambique e possuem um capital de influência que poderá jogar um papel decisivo para dissuadir as partes a enveredarem pelo diálogo e realismo por forma a limar suas divergências.
Se existem forças ou interesses em Moçambique que consideram e acreditam que uma eventual guerra irá resolver a contento o conflito em gestação, incorrem em erro, pois, como vimos no passado, nada se resolveu com a guerra. Tivemos vítimas e destruições, e depois acabámos por ver as partes assinando o AGP em Roma.
Agora o que se sente é que existem forças desfasadas da realidade e das dinâmicas actuais.
Um rearmamento militar mais ou menos caricato, em que se adquirem aeronaves usadas, meios aéreos oferecidos por parceiros, formação apressada de mancebos, não garante uma vitória militar definitiva.
A Renamo, por mais experiência que possua, não terá uma logística suficiente para uma guerra prolongada como a que foi nos 16 anos.
Confrontações se prolongariam e muito sofrimento resultará. Depois os parceiros internacionais iriam pressionar para que as partes se sentassem e conversassem. Já vimos isso acontecendo, e porquê não evitamos repetir o que sabemos e já experimentámos?
Engajar as “troikas” e vê-las fazendo uma diplomacia proactiva é urgente.
Aqueles países devem pôr-se em marcha e deixar de observar para, depois do “caldo entornado, intervir”.
Há pessoas abalizadas e de credibilidade acima de qualquer suspeita que poderiam e deveriam ser convidadas a ajudar. Thabo Mbeki e Kofi Annan precisam de ser chamados a ajudar o Governo e a Renamo a evitarem repetir a barbárie que ceifou vidas inocentes.
As prováveis vantagens e contrapartidas que se podem obter de processos militarizados para alguns intervenientes não podem colocar todo um povo e os seus vizinhos em risco de uma nova onda de refugiados e de miséria.
Com a teimosia e demagogia reinando, assiste-se à emergência de discursos de exclusão e de apelo a um regresso ao passado.
É perigoso entregar a solução das coisas a pessoas que julgam que tal solução colocaria em risco os seus interesses particulares.
Temos uma base mínima para começar. O PR homologado foi implicitamente reconhecido pelo presidente da Renamo e até já chegaram a conversar.
Existe uma agenda conhecida que foi durante muitos meses discutida com alguns avanços e com muitos recuos seguidos de rotura.
Accionar mecanismos conducentes a um diálogo é urgente demais.
JAC, AEG, Afonso Dhlakama e Raúl Domingos continuam vivos e com várias palavras a dizer.
Tenhamos a sensatez de levar estas pessoas a terreno neutro, face às desconfianças existentes.
A segurança não existente ou propositadamente comprometida não permite que uma das partes se desloque à capital, Maputo.
Liderar é humildemente trabalhar para encontrar soluções consensuais para os problemas existentes.
As hesitações em aprofundar as instituições democráticas e efectivamente separar os poderes democráticos estão tendo consequências, como se pode ver.
Respeitar a ordem constitucional, como apelam algumas pessoas, tem de ser feito por todos. Não se pode ter uns engajando-se em actos que consubstanciam terrorismo de Estado, e depois exigir que a outra parte paute pelo cumprimento da CRM. É uma utopia e uma miopia insultuosa.
Ninguém se esqueça de que tivemos as carnificinas de Ruanda e Burundi com testemunhas europeias e vista grossa dos mesmos paladinos da democracia e direitos humanos.
Os problemas da crise financeira na Europa até fazem a democrática França, através do seu Governo, acordar financiamentos não sancionados pelo Parlamento moçambicano.
Na verdade, é a continuação de uma agenda do passado. Foi-se o colonialismo, mas o neocolonialismo e as lutas pelo controlo de África continuam na ordem do dia.
Antes de acreditar que as “troikas” internacionais possam ser úteis, há que vermos toda uma sociedade, partidos políticos e confissões religiosas demarcando-se de agendas belicistas e quebrando o silêncio.
Trazer Kofi Annan e Thabo Mbeki pode ser útil, mas também um insucesso, se não houver vontade política por parte dos principais interlocutores do processo político moçambicano.
Há que ultrapassar as conveniências pessoais e privadas para dar lugar a um comprometimento efectivo com a agenda da paz. Não há paz sem respeito pela vida humana. Não há paz com a impunidade governando.
Não há paz sem um firme cometimento com os princípios democráticos.
Não há paz com compadrios e com associações delinquentes passeando a sua classe na praça pública e sendo aplaudidos pela sociedade porque esta se encontra doente.
A génese da crise e das discórdias é profunda e enraizada. Mas também conhecida, e essa é a vantagem como ponto de partida para a busca de soluções.
A Somália tornou-se Estado falhado, e o Sudão do Sul e a Guiné-Bissau são, na prática, Estados falhados, porque as suas lideranças falharam.
Liderar pelo exemplo e pela humildade, liderar com amor e através do trabalho, promovendo equidade e justiça, ultrapassa a rigidez teórico-científica que alguns de nossos estudiosos exigem nos “pronunciamentos” que fazem na comunicação social e na blogosfera. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 12.02.2016
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