"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O neocolonialismo brasileiro em Moçambique

Adelson Rafael

A estrutura fundiária e as aquisições de terras por corporações estrangeiras em países africanos foi alvo de estudo da Organização das Nações Unidas
O governo de Moçambique está cedendo o uso de 6 milhões de hectares - o que corresponde a dois terços de Portugal - para agricultores brasileiros plantarem soja, algodão e milho no norte do país - nas províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, centro. A ideia é aproveitar a experiência brasileira no cerrado, onde, a partir da década de 1960, a fronteira agrícola avançou rumo ao interior, com a pecuária extensiva e latifúndios de soja.
No Brasil, essa interiorização da actividade agropecuária custou a devastação de 80% do cerrado, que é reconhecido como a savana mais rica do mundo em biodiversidade. A degradação deste bioma, que ocupa um quarto do território brasileiro, vem soterrando e poluindo as principais bacias hidrográficas do país, localizadas justamente nessa região - que é considerada a caixa d’água do Brasil.
Com a oferta do governo moçambicano, a fronteira agrícola brasileira tem a perspectiva de atravessar o oceano Atlântico rumo à savana africana. Para o geógrafo Eli Alves Penha, autor do livro “Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico”, as “similaridades ecológicas e culturais” levam a um “encaixe ecológico” entre Brasil e o continente.
Em entrevista para a Editora da Universidade Federal da Bahia, Penha comenta, entre outros assuntos, a afirmação do especialista em agricultura do Quénia, Calistou Juma, que “para cada problema africano existe uma solução brasileira. “Eu diria que a recíproca também é verdadeira”, completa Penha.
O agronegócio brasileiro, baseado no esgotamento dos recursos naturais, agora vislumbra exportar o modelo insustentável de sementes geneticamente modificadas, manejo degradante do solo e latifúndios explorados às custas de um modelo falido de reforma agrária. Ainda em 2006, o site Repórter Brasil já apontava um novo caminho para a fronteira agrícola brasileira: a rápida degradação do solo é um exemplo (de perdas irreversíveis à região). De acordo relatório da Conservação Internacional, o plantio tradicional da soja, como é feito no Cerrado, causa a perda de cerca de 25 toneladas de solo por hectare ao ano. Caso fossem aplicadas técnicas de conservação, como a aragem mínima, o número poderia ser reduzido a 3 toneladas por ano.
Para Rosane Bastos (bióloga integrante da Rede Cerrado), a improdutividade pode impulsionar a destruição de outros ecossistemas: “se os grandes produtores ficarem sem solo, vão subir para a Amazónia”, prevê.
Não é de hoje que o governo do Moçambique espreita acordos para aumentar a produtividade agrícola, como reportou o “Global Voices” nos meses de janeiro e julho de 2010. Na ocasião, o site Repórter Brasil já anunciava a preocupação com as comunidades tradicionais de Moçambique: um dos requisitos do governo de Moçambique para a concessão das terras é o emprego de 90% de mão-de-obra nacional nas lavouras. Em pelo menos metade da área ofertada pelo governo aos brasileiros vivem camponeses em pequenas propriedades. Moçambique é um dos 49 países mais empobrecidos do mundo, com 70% da população abaixo da linha da pobreza, e onde os agricultores têm grande dificuldade em aceder a crédito para a produção de comida.
A estrutura fundiária e as aquisições de terras por corporações estrangeiras em países africanos foi alvo de estudo da Organização das Nações Unidas, de acordo com texto da Fundação Verde.
O documento pontualiza que as aquisições (de modo geral feitas na África mediante contratos de aluguer de meio século ou um século inteiro pelo que nada se paga) podem constituir um benefício ao supor investimentos estrangeiros. Também pode acarrear atracção tecnológica, incremento da produtividade agrária e criação de emprego e de infra-estrutura. Mas, assim como estão sendo levados a cabo, com precárias consultas à população local, falta de transparência e sem garantir nos contratos os compromissos de investimento, emprego ou desenvolvimento de infra-estruturas, supõe colocar em risco o modo de vida de milhares de pequenos agricultores ou pastores, cuja existência depende da terra.
O neocolonialismo brasileiro em Moçambique certamente não contribuirá com o desenvolvimento socialmente justo deste país. Se, por um lado, o Brasil pode oferecer conhecimento técnico para o cultivo de sementes na savana africana, por outro o país tem a oferecer um modelo insustentável de agronegócio, baseado na monocultura, na degradação ambiental e na concentração de terras nas mãos de poucos.
O governo de Moçambique está oferecendo grandes extensões de terras baratas a agricultores brasileiros para o plantio de soja, milho e algodão, informou neste domingo uma fonte oficial do país africano citada pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
“Os agricultores brasileiros têm experiência acumulada que é muito bem-vinda. Queremos repetir em Moçambique o que fizeram no cerrado há 30 anos”, disse o ministro da Agricultura moçambicano, José Pacheco, em declarações ao jornal paulista.
Moçambique colocou à disposição do Brasil 6 milhões de hectares em quatro províncias do país, para explorá-las em regime de concessão por 50 anos, mediante o pagamento de imposto de R$ 21 ao ano por hectare, detalhou Pacheco.
As terras, cuja dimensão o jornal compara a “três estados do Sergipe” e afirma ser “a nova fronteira agrícola do Brasil”, situam-se nas províncias do Niassa, Cabo Delgado, Nampula (no norte) e da Zambézia (no centro) e destinam-se à produção de soja, milho e algodão.   
Como contrapartida para uma concessão de 50 anos, renovável por igual período de tempo, os agricultores pagarão um imposto anual de cerca de 9,00 euros por hectare e deverão beneficiar de isenções de taxas na importação de maquinaria agrícola.  
A condição imposta pelo governo moçambicano para oferecer as terras baratas é que seja contratada no país africano ao menos 90% da mão-de-obra.
Moçambique também vai dar outras facilidades aos brasileiros, como isenção de impostos para a importação de máquinas e equipamentos agrícolas.
O presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão, Carlos Ernesto Augustin, explicou à “Folha” que as terras moçambicanas são muito semelhantes às do interior do Brasil, com a vantagem do preço e da facilidade de obter licenças ambientais.
“Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terras de graça, sem tantos impedimentos ambientais, com o (custo) do frete à China muito mais barato (...) Hoje, além de terra estar caríssima no Mato Grosso, é impossível obter licença de desmatamento e limpeza de área”, declarou Augustin ao jornal.
A China é o principal cliente mundial da soja procedente do Brasil e um importante comprador de outros produtos agrícolas do país sul-americano.
Segundo a “Folha”, a primeira leva de 40 agricultores brasileiros vai viajar em setembro a Moçambique para implantar em terras das províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia.
Missão Moçambique
Profissionais da Embrapa Solos e Embrapa Monitoramento por Satélite (Campinas-SP) estiveram em Moçambique entre os dias 04 e 19 de junho. A viagem teve como objectivo a escolha e georeferenciação de uma área piloto com cerca de 750 km2, representativa das condições ambientais do Corredor de Nacala. Essa área, que será caracterizada em termos de solo (escala 1:100.000), clima e socioeconomia, servirá como pólo receptor e irradiador de tecnologias no âmbito do Projeto de Suporte Técnico à Plataforma de Inovação Agropecuária de Moçambique.
Os trabalhos de campo concentraram-se na região situada entre Nampula, sede da província homónima, e Lichinga, capital da província de Niassa, em especial no território dos distritos de Ribáuè, Malema, Cuamba e Mandimba. Essa região foi escolhida a partir da análise das informações obtidas na Carta Nacional de Solos do país africano, em escala 1:1.000.000 (1974), e no conhecimento prévio da região, obtido nas viagens realizadas na fase de elaboração do projeto.
A estratégia da equipa foi realizar visitas às sedes administrativas dos quatro distritos, onde foram contactados os directores distritais de agricultura, para exposição do trabalho pretendido e busca de informações sobre ocupação agrária, condições de infra-estruturas e organização das comunidades rurais, culturas preferenciais e práticas de manejo adoptadas. Foi muito útil a indicação de locais já reconhecidos, segundo a percepção de técnicos locais, como detentores de maior potencial para implantação de projectos de desenvolvimento agrícola, ou considerados prioritários pelos órgãos do governo ou ainda com maiores carências socioeconómicas. Com o levantamento dessas informações, buscou-se incorporar no processo de selecção da área piloto o conhecimento sobre a realidade local, bem como as expectativas e necessidades identificadas pelos responsáveis pelo planeamento das actividades económicas, como um importante respaldo à implementação de novas tecnologias e linhas de pesquisa agrícola.
A partir das informações levantadas, foram direccionados os trabalhos de reconhecimento de campo, de forma a avaliar o potencial dos locais considerados prioritários, ao mesmo tempo em que se buscou realizar uma avaliação abrangente da disponibilidade dos recursos naturais para fins agrícolas da região, visando estabelecer os limites da área piloto. Também foi critério para a selecção da área piloto o potencial tanto para agricultura empresarial quanto familiar. Foram avaliadas as condições de acesso e viabilidade da inserção das comunidades no processo de desenvolvimento e introdução de novas tecnologias agrícolas.
Entre os dias 07 e 15 de junho, foram realizadas incursões pelos distritos de Ribáuè, Malema (província de Nampula), Cuamba, Mandimba e ainda Ngauma e Lichinga (província de Niassa), com observação e registo dos diversos aspectos do meio físico (relevo, vegetação e principalmente solos). No decorrer dos trabalhos, foram realizadas 45 observações de solos, devidamente georeferenciadas, ao longo de um deslocamento de aproximadamente 2 200 km.
Além dos trabalhos de campo, aconteceram várias visitas técnicas, como ao Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) em Maputo, onde além de reuniões de trabalho com a equipa local ocorreu um encontro com o director-geral daquela instituição, Calisto Bias; ao Centro Zonal Nordeste do IIAM, na cidade de Nampula, e ao Centro Zonal Noroeste, em Lichinga, quando foi realizada reunião com o diretor Carolino Martinho, juntamente com pesquisadores daquele centro de pesquisa, e ainda à estação experimental de Mutuali, em Malema. Foram também visitadas as sedes do governo das províncias de Nampula e Niassa, onde a equipa foi recebida pelos directores provinciais de agricultura, Pedro Dzucula e Eusébio Maurício Tumuitikile.
Participaram da missão pela Embrapa Solos os pesquisadores: Amaury de Carvalho Filho, José Francisco Lumbreras e Paulo Emílio Ferreira da Motta; pela Embrapa Monitoramento por Satélite o pesquisador Sérgio Gomes Tôsto, e pelo Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) os pesquisadores Moisés F. Vilanculos e Jacinto M. Mafalacusser.
Vale destacar o apoio de Levi Moura Barros e José Luiz Bellini Leite, representantes da Embrapa em Moçambique

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