"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sábado, 24 de setembro de 2011

As várias versões de uma história

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Forças Armadas de Defesa de Moçambique
O país celebra amanhã quarenta e seis anos dos acontecimentos que marcaram o início da luta armada de libertação contra a opressão colonial.
O 25 de Setembro, dia das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, carrega um valor simbólico, independentemente dos questionamentos à volta da veracidade do início da luta que trouxe a independência nacional, proclamada a 25 de Junho de 1975 
Reza a história oficial que a luta armada de libertação nacional iniciou na noite de 25 de Setembro de 1964 e, no primeiro ataque, foram mortas, pelo menos, duas pessoas, nomeadamente, o chefe do posto administrativo colonial de Chai e o sentinela que guarnecia a residência do chefe do posto. Alberto Joaquim Chipande, o autor do primeiro tiro, tem vindo a reafirmar o que os manuais ensinam. Excertos do relatório escrito por Chipande sobre o primeiro combate resume-se no seguinte:
“O polícia veio e estacionou à porta da casa do chefe de posto, sentado numa cadeira. Era branco. Eu aproximei-me do polícia para o atacar. O meu tiro era o sinal para os outros camaradas atacarem. O ataque teve lugar às 21h00. Quando ouviu os tiros, o chefe de posto abriu a porta e saiu - foi morto por um tiro. Para além dele, seis outros portugueses foram mortos no primeiro ataque. A explicação dada pelas autoridades portuguesas foi ‘morte por acidente’. Retirámos. No dia seguinte fomos perseguidos por algumas tropas — mas nesse momento já estávamos longe e não nos encontraram (…)”.
Como que a contrastar com os escritos de Chipande, o jornalista Guilherme de Melo, autor da obra “Moçambique – Dez anos de paz”, escreve que “O chefe do posto à data do ataque chamava-se Felgueiras e na hora do ataque não estava no posto, pois tinha ido ao Messalo com 2 polícias e vários sipaios. Só ficou no posto um polícia branco e alguns sipaios. Também lá moravam funcionários do posto, o Pinheiro e o Brandão, mais a família Alves. O enfermeiro chamava-se Tivane. O cozinheiro era o Amade. O Felgueiras pediu ao governador para sair e foi temporariamente substituí-lo o Dias  de Macomia. Talvez uma semana depois foi o Fonseca lá colocado que levou a mulher. Vindo de Portugal estava com eles o cunhado deste que foi quem, 3 semanas depois, foi morto quando passava junto ao Rio Messalo vindo do Monte Oliveiras. Vinham 3 pessoas no Jeep e ele ia no meio. As outras duas nada apanharam e ele levou um tiro entre os olhos, vindo a falecer já depois de evacuado. Assim não foi o cunhado do chefe do posto da altura que foi morto, mas o cunhado do que o veio substituir”.
É assim que, quarenta e sete anos depois, a história do primeiro tiro ainda carece de esclarecimentos por não haver consenso sobre ela, a julgar também pela pesquisa levada a cabo pelo Arquivo de Património Cultural (ARPAC), como também de alguns generais que estiveram em frentes de combate. Aliás, de acordo com a pesquisa do ARPAC, baseada em 35 entrevistas a pessoas “idosas e nativas de Chai” durante o ataque dos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique, “nenhuma pessoa foi morta”.
Dentre as 35 pessoas entrevistadas pelo ARPAC, figura o então cozinheiro do chefe do posto de Chai, identificado pelo único nome de Amade, o qual afirmou, igualmente, que o seu patrão não morreu naquele ataque. “Uma semana depois do ataque, houve sim uma morte. Tratou-se do cunhado do chefe do posto que, quando regressava do rio Messalo à busca de água de viatura, caiu numa emboscada”, refere o documento do ARPAC. Esta é parte das versões que retira a legitimidade histórica da efeméride. Por outro lado, ao contrário do que reza a história oficial da Frelimo, o primeiro tiro da luta pela independência não foi disparado,nem em 25 de Setembro de 1964, nem no posto administrativo de Chai, nem pela então Frente de Libertação. Relatos de alguns investigadores revelam que a primeira acção militar contra o regime colonial português foi da iniciativa da MANU (União Nacional Africana de Moçambique) e deu-se em Agosto daquele ano contra a Missão Católica de Nangololo. Por outro lado, a 24 de Setembro de 1964 foi reportado um ataque a Cóbuè, na província do Niassa, bem como outras operações ao longo da margem norte do lago com o mesmo nome, que incluiram o disparo de vários tiros contra uma lancha da Marinha de Guerra portuguesa, no dia seguinte.
A versão dos generais da Frelimo
Por esta e por muitas outras, alguns antigos combatentes estão a dar no duro para trazer aos moçambicanos muitos acontecimentos que eram desconhecidos ou foram deliberadamente adulterados.
Entrevistado pelo “O País” a propósito do autor do primeiro tiro e onde se deu, o General Eduardo da Silva Nihia, que operou na frente da Zambézia revelou:
“Foi em todas as frentes. O que aconteceu é que Cabo Delgado é ali perto da Tanzania. Logo que os companheiros de Cabo Delgado, Chipande e outros, dispararam, a informação foi imediatamente levada a Tanzania onde estava o nosso Estado-Maior, comunicando que a luta iniciou. Comunicou-se que o primeiro tiro foi em Chai e a nossa informação não foi levada a Tanzania. A primeira informação é que fica. Por essa razão ficou registado que a luta começou em Moçambique no distrito de Chai. Isso é que veio ao ar”.
Mais adiante, insistimos em querer saber de facto onde se deu o primeiro tiro e a resposta foi a seguinte: 
“... Não bastava que chegássemos e disséssemos que ali se disparou, ali também, não haveria seriedade. Para dizer que para chegar à Zambézia era preciso passar pelo território malawiano, enquanto Cabo Delgado e Niassa era só atravessar o rio e entrar em Tanzania. A falta de informação foi só na Zambézia, em Tete também fracassou. Na altura, Tete para abastecer precisava passar de Malawi. Mas o grupo de Tete encontrou um contra tempo, a posição do governo malawiano, de que não devíamos passar de Malawi. É por isso que a informação que fica é a que diz que a luta começou em Chai.
Por seu turno, o General Bonifácio Massamba Gruveta, homem que abriu a frente da Zambézia, durante luta de libertação nacional, perante uma palestra aos estudantes da Universidade Pedagógica em Quelimane, terá confessado o seguinte, quando indagado em torno das questões acima colocadas:
“Não acredito, mesmo onde quer que seja, que a luta de libertação nacional tenha iniciado em Cabo Delgado. Para o vosso conhecimento, a guerra teve início no dia 24 de Setembro e nada disso que vocês andam a ouvir”. Mas mesmo assim, ainda tinha ficado a questão de onde de facto terá iniciado a luta de libertação nacional, que conduziu o país à independência a 25 de Junho de 1975. “Naquilo que sei, o primeiro tiro foi disparado em Lugela (Tacuane) e mais nada”.
E quem deu o primeiro tiro?  “Não se enganem, eu pessoalmente não concordo e não vejo Chipande como sendo autor do primeiro tiro que deu início à luta de libertação nacional”- disse o General Gruveta, para depois acrescentar que “o que houve foi sim a falta de comunicação, entre as frentes, mas, como Chipande estava em Cabo Delgado, saltou logo para Tanzania e disse que disparou o primeiro tiro”-frisou.

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