"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Fiasco da cooperação Sul-Sul
É preciso pôr-se fim aos métodos kadhafianos

Beira (Canalmoz) - Se de todas as vezes que Moçambique procura estabelecer relações de cooperação com países vizinhos, do continente africano e/ou outros que se podem encontrar na faixa dos denominados países do Sul sai a perder ou com vantagens mínimas é caso para se dizer que algo está profundamente errado em todo este modelo de cooperação.
A estrutura de preços que governa o negócio da energia eléctrica de Moçambique para a África do Sul é no mínimo insultuosa.  O subsequente negócio de gás natural de Pande-Temane é outra grande ofensa aos cidadãos moçambicanos, se bem que se imagine que está a ser uma mina para alguns privilegiados, que aliás se privilegiaram a eles próprios… Se a motivação é apenas lucro e operações lucrativas sem se tomar em conta as necessidades dos moçambicanos então nada difere do que se diz que os colonialistas e suas corporações faziam. Ou então são iguais…
Temos de pagar pela energia e gás preços incomportáveis para o nível de salários auferidos e nossos governantes continuam a contentar-se em apresentar projecções macro-económicas aparentemente surpreendentes.   Temos recursos naturais específicos mas não conseguimos ter garantia de acesso a eles. É mais barato comer camarão moçambicano em Lisboa do que em Moçambique.
Temos de comprar mobílias importadas feitas de prensados dos “Tigres da Ásia” enquanto nossa madeira preciosa é exportada em estado natural sem transformação no país. Fala-se que se deve incorporara mais valias no que é extraído de Moçambique mas depois vai tudo assim mesmo para outros destinos. E naturalmente que há sempre uns trocos que também vão para as contas de uns quantos senhores que depois nos vêm dizer que criar patos é que está a dar…
Agora vem os brasileiros da Vale e os australianos da Rio Tinto,  indianos da TATA e quejandos explorar o manancial carbonífero de Tete. Sem eles certamente que não se poderia aproveitar aqueles recursos. O problema não está neles. Está nos nossos dirigentes que em nada se distinguem de Mobutos, Kadhafis e outros que tais.
As contrapartidas reais estão a ser negociadas entre elas. A Rio Tinto comprou os direitos de exploração à Riversdale mas será que no negócio o Estado moçambicano tirará algum tipo de proveito? O jogo não acomodará só uns quantos senhores do poder em Moçambique?
Com as areias pesadas moçambicanas acontece o mesmo e com as pedras semi-preciosas e preciosas a tendência não difere. Logo que se descobriu alguma coisa de interessante em Catandica ou Guro alguém accionou a Polícia de Intervenção Rápida (FIR), com todo o aparato de exército nacional, para irem estabelecer vigilância e assegurar que dali nada saísse. Ninguém explica aos moçambicanos qual é o negócio e que vantagens estes negócios têm para os moçambicanos. É segredo de Estado? Porquê? Ainda se descobre algum pato com rabo de fora?
Em Montepuez com os rubis foi o que se viu.
Quem descobriu já foi escorraçado e a mina pertence agora a nomes sonantes da nomenclatura que já se encarregaram de vender os direitos de exploração a uma companhia europeia, britânica por sinal.  Cada um negoceia com o que tem mas a visão prevalecente em África e em Moçambique é de colocar os recursos naturais ou os lucros provenientes da sua exploração sob o controle de uma ínfima minoria dos habitantes do país.
Assim admiram-se que um dia o Povo vá para a rua e faça uma revolução.
Os povos geralmente não tiram nenhum benefício e chega-se a um dia que a tampa da panela salta.
O aparente desenvolvimento económico que se pode observar com mais veículos automóveis circulando ou com projectos de produção de arroz ou de tabaco ou ainda de serrações chinesas não é sintomaticamente desenvolvimento. Se de tudo o que se faz não resultar um real empoderamento dos moçambicanos, maior cidadania, melhor educação, melhor saúde, melhor acesso a cultura e ao lazer, de nada vale trazer a Vale para explorar e exportar o nosso carvão. A culpa não é da Vale. É de quem governa que só quer o poder para poder apoderar-se da riqueza nacional.
Este conceito de que os recursos naturais são pertença de todos os moçambicanos deve vingar e ser assumido por governantes e governados. As coisas ainda estão a começar pelo que devem ser as próprias empresas que estão envolvidas nestes grandes negócios a aperceberem-se o mais rapidamente possível que podem acabar por serem tornadas parte do problema quando de facto as coisas podem ser feitas de outra maneira. Se alinham com os corruptos devem estar preparadas para as consequências.  De que vale realmente ter um grupo de famílias tirando todos ou principais benefícios dos mega-projectos?  Quem transporta combustível para a mineradora de carvão principal em Tete? Uma empresa de que faz parte Graça Machel.
Quem é um dos sócios da Coca-Cola em Moçambique? A FCD de Graça Machel.
Quem faz parte da estrutura accionista da CDM, Vodacom, Millenium BIM? Entre outros nomes que os moçambicanos bem conhecem está lá outra vez a senhora Graça Machel. Isso mostra como o jogo é feito.  Os parceiros internacionais, provenientes de Rio de Janeiro, Pequim, Nova Deli, Lisboa ou Londres sabem onde ir e com quem tratar dos dossiers que trazem em mãos.  Se não é Graça Machel é Joaquim Chissano ou Armando Guebuza. Oque é isto?   Será possível chamar-se a isto cooperação mutuamente vantajosa… Cooperação SUL-SUL?
Outra maneira de cooperar tem de ser descoberta ou implementada porque o actual modelo em Africa tem sido em benefício de governantes muitas vezes impostos e à sua entourage.  O que se sabe hoje do Coronel Kadhafi e seus filhos, os excessos de alguns como Hanibal, em permitir que sua esposa queimasse com água quente uma empregada, num das casas de praia da família, anula positivamente qualquer tentativa de continuar a dizer que a cooperação Sul-Sul é mutuamente vantajosa e que deve ser prosseguida.
São muitos os casos acumulados de gente do dito Sul estabelecendo esquemas para lesar cidadãos que esperam estar devidamente representados pelo Estado.  Com terra expropriada alegadamente para corrigir erros históricos e equilibrar as coisas o regime de Mugabe avançou com um projecto para acabar alguns anos depois entregando ou vendendo parte da terra expropriada a um Fundo líbio sob gestão dos Kadhafis de Tripoli.
Os argumentos políticos com que se tem procurado empolgar os povos não passam de truques que acabam por pôr os povos mais pobres e alguns gestores do Estado mais ricos. Depois vêm juntos investidores e a numenklatura dizer que estão empenhados na luta contra a corrupção!!!???… Papo com piada, realmente…
É bonito falar de cooperação Sul-Sul mas em termos práticos isso significa unicamente aproveitamento de recursos para beneficiar uma minoria de cidadãos a preços inferiores aos do mercado, o que depois é utilizado para alimentar a especulação internacional que volta e meia mergulha o mundo em crise financeira ou de petróleo ou ainda de alimentos.
É este tipo de cooperação que acaba sendo a fonte principal de recursos financeiros e armas para regimes como o de Kadhafi.  Não somos apologistas da continuação de relações internacionais, políticas ou económicas que sirvam para alimentar os circuitos de repressão e opressão dos povos. Não queremos continuar a ver nossos recursos servindo de suporte de regimes anti-democráticos e de inspiração ditatorial.
Não importa se o “diabo é preto ou branco”. Quem mata em Tripoli 150 pessoas com AKM’s e depois bota fogo às mesmas, não merece aparecer como parceiro em projectos de desenvolvimento em Moçambique ou Zimbabwe.  Vamos apoiar novos caminhos para África que tragam justiça, dignidade, acesso ao potencial económico. Vamos fazer isso de maneira cada vez mais democrática, através de eleições livres, justas e transparentes realmente e não porque um grupo de funcionários estrangeiros vem por ai dizer coisas bonitas dos processos eleitorais.
Queremos mesmo eleições a sério.
É preciso acabarmos com os círculos da fraude e manipulação eleitoral que colocaram a região da SADC num paraíso para governantes que aspiram perpetuar-se no poder, mas que deixam os outros à fome.
A conversa fiada de que estamos combater a pobreza absoluta não tem sido mais do que conversa para boi dormir.  Tem de ficar claro que a tese de “diplomacia silenciosa” de Thabo Mbeki em relação a Mugabe falhou e só permitiu que este se rearmasse com apoio chinês e líbio. Seus pares da SADC abertamente influenciados e empurrados por considerações estratégicas afastadas dos interesses reais de seus concidadãos aceitaram apoiar uma decisão de governo de unidade nacional anti-democrática.
A cooperação Sul-Sul só pode vingar e justificar-se numa situação de democracia plena, participação incondicional dos cidadãos na definição de seus destinos políticos e económicos. Especialistas, tecnocratas a soldo de corporações de carácter duvidoso e dirigentes políticos com apetites anti-democráticos não podem continuar ditando como os recursos naturais e outras riquezas dos moçambicanos devem ser exploradas e administradas.
Queremos e é lógico que os recursos naturais disponíveis sejam explorados mas só se também for em benefício dos moçambicanos. Logo à partida não faz sentido ter investimento brasileiro ou indiano ou chinês se os moçambicanos continuam que nem na “machila”.
Os moçambicanos precisam rapidamente de entender que sem o seu trabalho não haverá credibilidade em reivindicar beneficio nos negócios realizados em seu país. Desde os que negoceiam com os executores de empreitadas é preciso ter uma perspectiva profissional e dignidade de recusar os caminhos escusos da corrupção que é conhecida pelas corporações e seus representantes e pelos dirigentes do país. Os moçambicanos anónimos estão calados, por enquanto, mas estão a ver o que se está a passar.
Quando surge a oportunidade de fazer a diferença é frequente ver-se certos figurões moçambicanos optando pelo caminho mais fácil. Estradas, barragens e linhas férreas não são construídas ou reabilitadas com a qualidade contratada porque a fiscalização moçambicana falha, é corrompida pelos empreiteiros. As consequências não se fazem esperar.
Isso já está lesando a cooperação Sul-Sul. O carvão não chega à velocidade desejada ao Porto da Beira porque os indianos e moçambicanos envolvidos na reabilitação da Linha e sua fiscalização não trabalharam como os padrões internacionais requerem. O primeiro comboio levou cerca de 22 horas a chegar ao porto da Beira. Obviamente que isso é economicamente inviável. Por isso existe um navio na barra à espera que se consiga acumular as quantidades de carvão que justifiquem a primeira exportação da Vale brasileira.
É assim que se faz e que também se paga por uma cooperação ferida de sanidade e de sentido.
Moçambique está a precisar de um governo diferente, de gente séria. É preciso pôr-se fim à mentalidade Kadhafiana que tem prevalecido. E quiçá por este regime a sapatear se as coisas não tomarem outro caminho. Por este caminho o caldo ainda se vai entornar… (Noé Nhantumbo / Canalmoz / Canal de Moçambique)

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