"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



quarta-feira, 25 de março de 2020

Temos liderança?

terça-feira, 24 de março de 2020


 





Elisio Macamo
23 Mart, 15:47 ·



Temos liderança?

Esta manhã fui colhido pela revoltante notícia da tomada de Mocímboa da Praia pelos “malfeitores”. No início não acreditei e até interpelei o portador, Luis Nhachote, acusando-o indirectamente de espalhar “fake news”. Infelizmente, parece mesmo verdade. Suponho que mais tarde, ou mais cedo, algo assim fosse acontecer. A vulnerabilidade do nosso País é, infelizmente, evidente. As notícias que desde 2017 são veiculadas pela imprensa davam conta dess verdade.

A questão, contudo, é se a vulnerabilidade é uma fatalidade. Já que somos vulneráveis não há mais nada que possamos fazer? Não sei, mas a minha impressão é de que há muito mais que podemos fazer e não estamos a fazer. Não o fazemos por falta de liderança.

Tinha decidido há algumas semanas não mais falar de questões políticas, mas não consigo ficar calado. Moz tem um grande problema de liderança e toda a gente séria tem que confrontar este problema. O Presidente Nyusi e as pessoas e estruturas que o rodeiam não parecem estar à altura do desafio de governar um País como o nosso. Como de costume, os grupos ideológicos de choque vão se sentir chamados a vir atacar quem diz isso, mas nada disso vai esconder as lacunas evidentes de liderança. Perder uma sede distrital para um grupo de insurgentes sem rosto é uma vergonha.

A primeira lacuna da nossa liderança é a sua fraca cultura de comunicação. Desde 2017 que estamos a braços com este problema e nunca a liderança soube informar a sociedade sobre o que se passa. O País vive de rumores sobre mercenários, malfeitores, envolvimento de figuras políticas, etc. Informar é básico numa democracia. É sinal de respeito, de tratar as pessoas que votaram nos partidos como gente adulta. Quem vai consentir sacrifícios para que o problema se resolva é a sociedade, por isso mantê-la informada é vital.

A segunda lacuna é o aparente autismo da liderança que, pelos vistos, não vê utilidade em se deixar assessorar pela sociedade. Houve mais conferências e seminários sobre a “insurgência” em Cabo Delgado fora de Moz do que em Moz. E o curioso é que esses seminários contaram com a participação de mozes, os mesmos que, ao que tudo indica, não são consultados pela liderança.

A terceira lacuna é estratégica. A nossa liderança não parece ter sentido estratégico, deixa-se enrolar pela táctica. O maior exemplo disto foi a “paz definitiva” provisória. Ao invés de usar as negociações com a Renamo para corrigir e revitalizar o sistema político, a nossa liderança preferiu garantir as prerrogativas do partido no poder e não envolveu as forças vivas da sociedade. O resultado está aí à vista: a descentralização está refém do poder executivo do chefe do estado, os homens que deviam ser desarmados não querem e, pior, não aceitam a autoridade do seu próprio chefe e o Presidente mantém um silêncio sepulcral sobre a quantas anda este assunto. E o problema não é a Renamo. O problema é quem negociou sem tomar precauções para que não houvesse uma cisão na Renamo que pusesse todo o processo em causa.

É claro que é fácil, hoje, colocar toda a responsabilidade nos ombros do Presidente. Infelizmente, pelo cargo que ocupa não há como não o responsabilizar. Responsabiliza-lo é um acto cívico. Mas é evidente que o problema não é só ele. Para já, ele herdou as forças de defesa e segurança com as quais deve resolver o problema imediato de segurança. Mas teve um mandato inteiro para reorganizar essas forças. Em 2017, aquando dos primeiros ataques, o seu Comandante Geral da Polícia, prometeu resolver o problema em dois dias. Ninguém sabe que consequências estruturais é que o não-cumprimento dessa promessa teve na organização da polícia.

Segundo, o problema é evidentemente o partido que o indicou para dirigir os destinos do País. Todas as omissões do Presidente são omissões daqueles que lhe deram esse fardo. Ele não é nenhum ditador, nem usurpou o poder. Ele está no lugar em que se encontra porque alguém quer que ele lá esteja, alguém confiou nele, só que esse alguém, no caso, o partido, não parece ter feito seja o que fosse para garantir que as suas lacunas e fraquezas não afectassem o desempenho geral do partido.

E chegámos a este ponto. Temos um líder, mas não temos liderança. Aliás, o partido que durante décadas conduziu os destinos deste País recusa-se a assumir a responsabilidade pelo País que ele próprio construíu. O secretariado do partido Frelimo, com todo o respeito que tenho pelas pessoas que lá estão, é uma sombra do potencial em quadros que o partido possui, uma afronta à imensa qualidade dos seus militantes, um insulto à inteligência dos moçambicanos privados, do lado duma oposição indiferente aos problemas do País, de alternativas sérias e credíveis.

As universidades, organizações da sociedade civil, centros de pesquisa estão repletas de gente de qualidade que uma liderança menos autista teria a coragem de convidar para assessorar em momentos de crise como os que o País vive desde 2017. Mas como ter coragem quando se gosta da companhia daqueles que se especializam no contra-ataque verbal como se fossem os únicos com simpatia pela Frelimo?

Temos juízes e gestores reformados, gente forjada e temperada na luta pela construcção dum País em circunstâncias difíceis, cujo conhecimento e experiência é desperdiçado de forma criminosa por razões difíceis de entender. Muitos destes quadros podiam ter sido aproveitados para liderar comissões de inquérito sobre o que se passa em Cabo Delgado, sobre a paz definitiva provisória, sobre a descentralização, sobre as irregularidades eleitorais, enfim, sobre os vários desafios de governação para proporcionar à liderança mais opções. Mas nada. Preferem reunir para saudar o Presidente do Partido mesmo sabendo que o País arde.

E como sempre, vão deixar que a brigada ideológica de choque responda ao seu jeito e em seu nome para vincarem a sua indiferença pela País. Tudo menos distracção enquanto redigem mais uma mensagem de saudações.

Sem comentários:

Enviar um comentário