"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 1 de setembro de 2015

Tagarelas, delirantes e apóstolos da desgraça

 

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Testemunhas recordam como Guebuza via e chamava os seus críticos
- Além de enquadrar a contundência linguística de Castel-Branco ao momento político que se vivia na altura, as testemunhas sugerem que a aspereza linguística também era usada no sentido Guebuza para os seus críticos
- Sentença marcada para o dia 16 de Setembro corrente
A quarta secção do Tribunal do Distrito Municipal de Kampfumu julgou, esta segunda-feira, o académico, pesquisador e professor universitário, Carlos Nuno Castel-Branco e o jornalista e editor do mediaFAX, Fernando Mbanze.
O julgamento ocorre no seguimento do caso iniciado pela Procuradoria do Distrito Municipal Kampfumu a mando da Procuradoria da Cidade de Maputo, acusando Castel-
Branco de ter difamado e caluniado o então presidente da República, Armando Emílio Guebuza. O crime configura-se na legislação moçambicana, como contra a segurança do Estado.
Já Fernando Mbanze, segundo se sabe, é acusado de abuso de liberdade de imprensa pelo facto de ter publicado o artigo no mediaFAX.
Início da sessão
A sessão iniciou poucos minutos depois da hora 9, com o juiz da causa, João Guilherme, a dar espaço para o Ministério Público ler a acusação que a sua instituição estava a mover contra os réus. A acusação sustentava-se, basicamente, em inferimentos e interpretações pelo acusador ao texto publicado, argumentando que algumas palavras e adjectivações concretas punham em causa a honra, o bom nome e a reputação da pessoa de Armando Emílio Guebuza como pessoa particular, mas também como Chefe de Estado.
Houve espaço para o pesquisador e professor universitário, Carlos Nuno Castel-Branco se explicar. E de facto se explicou.
Reiterou que escreveu o texto movido por um genuíno objectivo de dar o seu contributo para o desenvolvimento do país e ainda para defender o Estado moçambicano de sinais e sintomas de má governação.
Reiterou que não está nem tão pouco arrependido do que escreveu e nem se envergonha porque acredita que fez com a melhor das intenções e, efectivamente, as ideias foram debatidas.
No fim, depois das alegações finais, Castel-Branco contou a história do camponês com o seguinte teor:
“Quando o camponês descobriu que o tribunal que o julgava o estava a enganar e a enganar a sociedade, o camponês subiu o tom da sua crítica contra o sistema”.
Depois foi a vez de Fernando Mbanze também dizer e explicitar, no
 , as razões de fundo que terão concorrido para decidir pela publicação do artigo de opinião do professor Carlos. Na resposta, Fernando Mbanze explicou que o post de Carlos Nuno debatia, essencialmente, assuntos de governação. Fernando Mbanze focalizou a explicitação e argumentação em apenas dois tópicos que falavam essencialmente de questões de ordem, tranquilidade e segurança públicas.
Fernando Mbanze disse, por exemplo, que a problemática dos raptos e a tensão político/ militar tinham se transformado em verdadeiras razões de desestabilização pública e familiar, realidade sobre o qual o governo não mostrava qualquer competência de resolução.
“Era um momento atípico. Era um momento em que havia uma espécie de descontrolo governamental e muitos cidadãos se mostravam completamente indignados com o rumo que o país estava a tomar” – disse, Fernando Mbanze, justificando que a linguagem áspera usada no texto deve ser contextualizada pela peculiaridade do momento bastante turvo que o país atravessava.
Acrescentou que o facto de o post ter debatido questões como raptos, tensãopolítico/militar e desenvolvimento/pobreza dava claramente um valor deactualidade e de interesse geral, daí queo assunto tinha que merecer debatepúblico mais alargado.
“Assim, o mediaFAX como órgão de informação, tinha a obrigação de ampliar o debate público de ideias porque, acreditamos nós, é assim como se faz o jogo democrático. Não importa quem concorda ou quem discorda. O importante é que contribuímos para que o assunto fosse amplamente debatido”– disse.
Testemunhas recordam linguagem de Guebuza
As testemunhas arroladas pela defesa disseram ao tribunal que o conteúdo escrito e publicado por Castel-Branco e posteriormente republicado pelo mediaFAX em nenhum momento ofende a honra dignidade e reputação do Presidente da República. Tratouse, isso sim, de crítica política e a linguagem forte e mordaz que se usou é própria do ambiente politico que se vivia na altura.
Mais ainda, as testemunhas não deixaram de associar a linguagem dura e severa usada no texto com a linguagem dura e excessivamente dura usada pelo então Presidente da República para se dirigir e responder aos seus críticos e ao povo moçambicano no geral.
Recordaram, por exemplo, que Armando Guebuza não pestanejava para chamar e apelidar os seus críticos críticos usando termos como tagarelas, delirantes, apóstolos e profetas da desgraça.
Chamando nomes aos seus críticos, ficou a percepção de que os críticos tinham também o direito de usar uma linguagem dura. Aliás, uma testemunha arrolada pelo réu Fernando Mbanze chegou mesmo a sugerir que a linguagem usada por Carlos Nuno tinha sido simpática, tendo em conta o momento bastante conturbado que o país vivia.
“Eu acho que a crítica deveria ter sido mais severa tendo em conta o clima de ingovernabilidade a que o país estava”– disse Armando Nenane.
Jaime Macuane, testemunha arrolada por Carlos Nuno recordou que “certa vez o Chefe de Estado chegou a chamar delirantes aos críticos”.
“Se a Doutora (Sheila Matavele Cossa) está recordada, termos como tagarelas, apóstolos da desgraça foram introduzidos pelo ex-Presidente (Armando Guebuza)” – recordou Francisco Carmona, arrolado pela defesa do réu Fernando Mbanze.
Por diversas vezes, dirigindo-se a população em comícios populares, Guebuza chegou a dizer reiteradamente que no país não havia pobreza e nem havia falta de emprego.
O que havia, segundo Armando Guebuza, era o que chamava de “pobreza mental”, alegadamente porque o povo não via e nem sabia aproveitar as várias oportunidades de que o país dispunha.
Em outras ocasiões Armando Guebuza, publicamente dizia que a tensão político/militar tinha sido inventada e adubada pelos jornalistas.
Armando Guebuza disse também durante o seu mandato que os críticos deste país não eram críticos porque só criticavam por criticar, mas nunca sabiam apresentar soluções.
Sentença no dia 16
A sentença do caso está marcada para o dia 16 de Setembro corrente, a partir das 9 horas, segundo decidiu o juiz da causa, João Guilherme.
Portanto, será neste dia, daqui a 15 dias, que se saberá se o tribunal terá dado razão à procuradoria, ou então, aos réus.
Antes do término da sessão, a acusação manteve tudo que consta da acusação inicial e pediu, por isso, que o tribunal condenasse os réus, alegadamente pelo facto, de durante a sessão de julgamento, ter ficado provado que os réus cometeram os crimes de que são acusados. Apesar de manter a acusação tal e qual, a digna magistrada do Ministério Público não acrescentou absolutamente nada em termos de argumentos reais e concretos que efectivamente pudessem consubstanciar o cometimento de qualquer crime, senão simples interpretações linguísticas.
Entretanto, a defesa, com argumentos mais trabalhados, disse que a sessão de julgamento não produziu absolutamente nada em termos de matéria incriminatória contra os réus.
Aliás, João Trindade, advogado de Castel-Branco, disse que a ter havido qualquer crime, o mesmo só pode ter sido pelo facto de os acusados terem emitido as suas genuínas opiniões.
Por seu turno, Álvaro Pinto Basto, advogado de Fernando Mbanze, além de argumentos bastante trabalhados e demonstrativos de que o editor do mediaFAX apenas cumpriu o seu papel de informar e abrir espaço para debate de ideias, apontou questões processuais que podem fazer cair todo o processo.
Um dos aspectos é o facto de a acusação ter dito que o texto põe em causa a honra, o bom nome e a reputação do cidadão Armando Guebuza, mas também do Chefe de Estado. Esta colocação abre espaço para que o carácter especial do suposto crime exija a audição e pronunciamento do ofendido.
Ou seja, ser ouvido para dizer se efectivamente se sentia ofendido ou não. E isso não foi feito. (Raf. Ricardo e Ilódio Bata)
MEDIAFAX – 01.09.2015

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