CARTA ABERTA
Senhor
Presidente, você está fora de controlo. Depois de ter gasto um mandato inteiro
a inventar insultos para quem quer que seja que tenha ideias sobre os problemas
nacionais, em vez de criar oportunidades para beneficiar da experiência e conhecimentos
dessas pessoas, agora você acusou os media de serem culpados da crise
política... nacional e mandou atacar as sedes políticas da RENAMO.
A crise
político-militar que se está a instalar a grande velocidade faz lembrar as
antecâmaras do fascismo. Em situações semelhantes, Hitler e Mussolini, Salazar
e Franco, Pinochet e outros ditadores militares latino-americanos, Mobutu e
outros ditadores africanos, foram instalados no poder, defendidos pelo grande
capital enquanto serviam os interesses desse grande capital, e no fim caíram.Será que você, senhor Presidente, se prepara para a fascização completa do País? Destruir a RENAMO, militarmente, é um pretexto. Fazer renascer a guerra é um pretexto. Parte do problema dos raptos - não todo - e do crime e caos urbano é um pretexto. Permitir a penetração da Al Quaeda em Moçambique é um pretexto. Pretexto para quê? Para suspender a constituição e aniquilar todas as formas de oposição, atirando depois as culpas para os raptores e outros criminosos e terroristas, ou para aniquilá-los em nome da luta pela estabilidade.
Senhor Presidente, você pode estar a querer fascizar o País, mas não se esqueça que a sua imagem e a do seu partido estão muito descredibilizadas - por causa de si e do seu exército de lambe botas. E essa credibilidade não se recupera com palavras e com mortos. Só se pode recuperar com a paz e a justiça social. O que prefere, tornar-se num fascista desprezível e, a longo prazo, vencido? Ou um cidadão consciente e responsável que defendeu e manteve a paz e segurança dos cidadãos, evitando a guerra e combatendo o crime?
Senhor
Presidente, você tem que ser parte da solução porque você é uma grande causa do
problema. Ao longo de dois mandatos, quem se rodeou de lambe botas que lhe
mentem todos os dias, inventam relatórios falsos e o assessoram com premissas
falsas? Quem deu botas a lamber e se satisfez com isso, com as lambidelas? Quem
se isolou dos que realmente o queriam ajudar por quererem ajudar Moçambique e
os moçambicanos, sem pretenderem usufruir de benefícios pessoais? Quem preferiu
criar uma equipa de assessores estrangeiros ligados ao grande capital
multinacional em vez de ouvir as vozes nacionais ligadas aos que trabalham
honestamente? Quem insultou, e continua a insultar, os cidadãos que apontam
problemas e soluções porque querem uma vida melhor para todos (mesmo podendo
estar errados, honestamente lutam por uma vida melhor para todos)?
Quem acusa
os pobres de serem preguiçosos e de não quererem deixar de ser pobres? Quem no princípio
e fim dos discursos fala do maravilhoso povo, mas enche o meio com insultos e
desprezo por esse mesmo povo?
Quem
escolheu o caminho da guerra e a está a alimentar, mesmo contra a vontade do
povo maravilhoso? Quem diz que a guerra, e o desastre humanitário a ela associado,
é um teste à verdadeira vontade de paz do povo maravilhoso? Por outras
palavras, quem faz testes políticos com a vida do povo maravilhoso? Quem deixa
andar o crime, a violência e a pobreza, quem deixa andar a corrupção, o
compadrio e as associações criminosas? Quem nomeia, ou aceita a nomeação, de um
criminoso condenado a prisão maior para comandante de uma das principais forças
policiais no centro do país?
Quem se
apropria de toda a riqueza e ao povo maravilhoso oferece discursos e desse
maravilhoso povo quer retirar (ou gerir, como o senhor diz) qualquer
expectativa? Quem só se preocupa com os recursos que estão em baixo do solo,
mandando passear as pessoas, os problemas e as opções de vida construídas em
cima desse solo? Quem privatiza os benefícios económicos e financeiros dos
grandes projectos, e depois mente dizendo que ainda não existem?
Quem se
defende nos media internacionais dizendo que passou todos os seus negócios para
os familiares enquanto é presidente - e quem é suficientemente idiota para
aceitar isto como argumento e como defesa?
Quem divide
moçambicanos em termos raciais e étnicos, regionais e tribais, religiosos e
políticos - já agora, o que são moçambicanos de gema? Serão os autómatos
despersonalizados e ambiciosos que nascem das gemas dos seus patos? O que são
moçambicanos de origem asiática, europeia ou africana - são moçambicanos ou não
são?
Quem ficou tão descontrolado que hoje acusa os media de serem criadores do clima que se vive no país - foram os media que se apropriaram das terras, iniciaram uma guerra, deixam andar o crime urbano e foram pedir conselhos ao Zé Du? Que tipo de media você quer? Um jornal notícias que não tem uma referência destacada a três grandes manifestações populares pela paz e segurança e justiça social que aconteceram ontem no nosso país, embora tenha uma notícia sobre manifestações contra violações no Quénia? Porque é que as manifestações dos outros são verdade e as nossas mentiras?
E, já agora,
senhor Presidente, pode esclarecer-nos quem matou Samora?
Senhor
Presidente, você não merece representar a pérola do Indico nem liderar o seu
povo maravilhoso. E desmerece-o mais cada dia. Você foi um combatente da luta
de libertação nacional e um poeta do combate libertador, mas hoje não posso ter
a certeza que liberdade e justiça tenham sido seus objectivos nessa luta
heróica.
O povo
maravilhoso, ontem, prestou homenagem a Moçambique, a Mondlane e Samora, aos
valores mais profundos da moçambicanidade cidadã e da cidadania moçambicana.
Foi bonito ver as pessoas a manifestarem-se por causas justas comuns, a
partilharem a água e as bolachas, a abraçarem-se e distribuírem sorrisos, a
apanharem o lixo que uma tão grande multidão não poderia deixar de criar. Foi
bonito ver quão bonitos e cívicos Moçambique e os moçambicanos, na sua
variedade, são. Foi bonito ver os cidadãos aplaudirem a polícia honesta e
abraçarem os seus carros, e os polícias absterem-se de atacar os cidadão. Foi
bonito ver que conseguimos juntar uma multidão consciente, cívica e honesta,
que o seu porta voz partidário, Damião José, foi incapaz de desmobilizar. Foi
bonito ver a bandeira e o hino nacionais a cobrirem todos os moçambicanos,
moçambicanos que são só moçambicanos e nada mais.
E no seu civismo e afirmação da cidadania moçambicana, esta multidão para si só tinha três palavras: "fora, fora, fora". Tenha dignidade e, pelo menos uma vez na vida, respeite os desejos do povo. Reúna os seus patos e saia, saia enquanto ainda há portas abertas para sair e tempo para caminhar. Não tente lutar até ao fim. Isso só vai trazer tragédia, mortes e sofrimento para todos e, no fim, inevitavelmente, você e todos os outros belicistas, criminosos e aspirantes a fascistas, sejam de que partido forem, serão atirados para o caixote do lixo da história. Saia enquanto é tempo, e faça-o com dignidade. Ninguém se esquecerá do que você fez - de bem e de mal - mas perdoá-lo-emos pelo mal por, pelo menos no fim, ter evitado uma tragédia social e saído com dignidade.
Que, pelo menos, o seu último acto seja digno e merecedor deste povo maravilhoso. E, enquanto se prepara para sair, por favor devolva ao país e ao Estado a riqueza de que você, a sua família e o seu grupo de vassalos e parceiros multinacionais se apropriaram. Leve os seus patos mas deixe o resto. E, por favor, use as presidências abertas, pela última vez, mas para se despedir, pedir desculpas e devolver a riqueza roubada.
Saia, senhor Presidente, enquanto ainda é suficientemente Presidente para sair pelas suas próprias pernas.
Você sabe, de certeza, o que quer dizer "A Luta Continua!" Então, saia.
E não perca tempo a abater ou mandar abater ou encorajar a abater ou deixar abater alvos seleccionados, sejam eles quem forem. O sangue de cada um desses alvos só vai engrossar ainda mais o rio em cheia que o atirará a si, e seus discípulos, como carga impura, para as margens do rio poderoso fertilizadas pela luta popular. O povo não morre, e é o povo, não um alvo seleccionado, seja quem for, quem faz a revolução. Não se esqueça que a fúria do rio em cheia é proporcional à água que nele flui e à pressão que sobre ele exercem as margens opressoras.
Senhor Presidente, não tente fascizar Moçambique. Se o fizer, pode levar tempo, podem muitas vidas ser encurtadas pelas suas forças repressivas de elite, mas se seguir este caminho, você sairá derrotado. A história não perdoa.
Adeus, senhor Presidente, vá descansar na sua quinta com a sua família e dê à paz e à justiça social uma oportunidade nesta pérola do Índico e em benefício do seu maravilhoso povo. Por favor.
Não lhe queremos mal. Mas, acima de tudo, queremos a paz e que os benefícios do trabalho fluam para todos.
Carta
Aberta - Por Carlos Nuno Castel-Branco
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