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Escrito por Redação em 13 Maio 2015 |
A Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula e Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais - ADECRU, movidas pelo compromisso e missão social e de defesa dos direitos humanos e da dignidade humana, têm participado e acompanhado de perto, com apreensão e indignação, as chamadas reuniões de auscultação pública da versão “Draft Zero ou versão inicial” do Plano Director do ProSavana promovidas pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), em representação dos Governos de Moçambique, Brasil e Japão. As mesmas iniciaram no passado dia 20 de Abril de 2015 e prolongam-se durante o mês de Maio. As auscultações surgem como resposta formal e cosmética dos três governos às irrefutáveis críticas e fundamentadas demandas das comunidades do Corredor de Nacala, organizações da sociedade civil e movimentos do campo, que dizem não ao ProSavana e exigem a instauração de um diálogo democrático, transparente e inclusivo na definição das prioridades soberanas de desenvolvimento da agricultura do país.
Os dados e as informações em nossa posse, recolhidas e documentadas pelos nossos representantes que monitoraram e participaram em 24 das 38 reuniões de auscultação pública entre as quais: postos administrativos de Namaita, Mutuali, Iulutu, Corrane, Netia, Nairubi, distritos de Rapale, Mogovolas, Meconta, Monapo, Muecate e Malema em Nampula, Gurue e Alto Molócue na Zambézia, Majune e Sanga, em Niassa, permitem-nos avaliar e concluir que este processo foi manchado por muitas e graves irregularidades que, uma vez mais, confirmam a prevalência de vícios insanáveis de concepção e de procedimentos de que padece o programa ProSavana e que devem, por isso, ser pública e amplamente denunciados pela sociedade moçambicana, brasileira e japonesa. Em todas as reuniões até agora realizadas, ninguém sabe ao certo a base jurídico-legal que orienta este processo de auscultação pública do Plano Director do ProSavana. Os representantes do MASA enviados para a província de Nampula: Eulália Comé e Nina Manganhela, incluindo técnicos provinciais: Joaquim Tomás e Américo Uaciquete tiveram enormes dificuldades quando confrontados com a pergunta sobre a base jurídico-legal que suporta e sustenta as referidas consultas. O processo de auscultação púbica ora em análise foi lançado e decorre dentro de um problemático contexto e de persistente desrespeito e incumprimento da lei. Desde o início, a concepção, elaboração e implementação do ProSavana têm sido mal conduzidas e debaixo de várias e sucessivas irregularidades que se reflectem neste processo de auscultação pública como parte dos vícios insanáveis de que padece desde a sua formulação. No âmbito deste processo, ainda que se desconheça a base jurídico-legal em torno da qual se concretiza a auscultação pública do Plano Director do ProSavana, o Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar violou de forma grosseira os artigos 6, 7 e 8 relativos ao princípio da máxima divulgação, princípio da transparência e princípio da participação democrática estabelecidos pela Lei do Direito à Informação ao não mandar publicar e fixar o Comunicado de Imprensa, datado de 31 de Março de 2015, sobre a auscultação pública à volta da versão inicial do Plano Director do ProSavana entre os dias 20 e 29 de Abril nas secretarias dos governos distritais e dos postos administrativos incluindo nos espaços públicos e nas comunidades locais. O princípio de máxima divulgação estabelece que “as entidades públicas e privadas abrangidas pela presente Lei têm o dever de disponibilizar a informação de interesse público em seu poder, publicando através dos diversos meios legalmente permitidos, que possam torná-la cada vez mais acessível aos cidadãos, sem prejuízo das excepções expressamente previstas na presente Lei e demais legislação aplicável”. O princípio da participação democrática estabelecido na mesma Lei do Direito à Informação determina que “a permanente participação democrática do cidadão na vida pública pressupõe o acesso à informação de interesse público, de modo a formular e manifestar o seu juízo de opinião sobre a gestão da coisa pública e assim influenciar os processos decisórios das entidades que exercem o poder público”. O MASA também não cumpriu com nenhum dos sete princípios básicos do processo de participação pública estabelecidos pela “Directiva Geral para o Processo de Participação Pública no processo de Avaliação de Impacto Ambiental” através do Diploma Ministerial nº 130/2006 de 19 de Julho invocada, a dada altura, pela representante do MASA, Eulália Comé, na sua vã tentativa de se escapar da recorrente pergunta sobre a base jurídico-legal. A referida Directiva estabelece: a) o Princípio de disponibilização e acessibilidade de informação adequada e possibilidade de aprendizagem durante o processo, incluindo suporte técnico; b) o Princípio de ampla participação; c) o Principio de representatividade; d) o Princípio da independência; e) o Princípio da funcionalidade; f) o Princípio de negociação; e g) Princípio da responsabilidade. O Principio de representatividade determina que “no processo de auscultação ou consulta devem-se fazer representar todos os segmentos específicos da sociedade civil e outros interessados, principalmente os directamente afectados. É de carácter obrigatório que no mínimo seja assegurada a participação de 20% do universo das pessoas afectadas da área de influência da actividade. Em caso de reuniões que decorrem longe da área de inserção geográfica da actividade deverá, igualmente, ser garantida a participação de pelo menos 50% de instituições/ organizações directamente afectadas ou interessadas na actividade”. Por seu turno, o Princípio de negociação estabelece “que deverá ser entendida como um mecanismo de aproximação de interesses divergentes e estabelecimento de uma base de confiança entre as partes afectadas e interessadas, devendo concorrer para a divulgação das informações sobre as consequências da actividade e formas de minimização e repercussões a advirem da implementação da actividade. Deverá ajudar a administrar e reduzir os conflitos de interesses de diferentes grupos sociais”. O Princípio da responsabilidade defende que “o processo de auscultação e consulta públicas deverá representar de uma forma fiel e responsável as preocupações de todos os intervenientes no processo”. Nós, ADECRU e Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula, constatámos também que o MASA, por meio dos governos distritais e locais e dos Serviços Distritais de Actividades Económicas (SIDAE), condicionou e limitou sobremaneira a participação das partes interessadas ao exigir que o acesso às reuniões de auscultação fosse feito mediante a prévia inscrição nos SIDAE’s e a apresentação ou exibição do convite pelo participante à porta de entrada onde decorre a reunião, facto que impossibilitou a participação nas consultas já realizadas de membros das comunidades, com maior gravidade na província de Niassa. Em todas as consultas acompanhadas pela ADECRU e Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula, mais de metade dos participantes era constituída por membros do governo/funcionários públicos, incluindo os directores distritais dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SISE) que se apresentaram como tal publicamente, membros do partido Frelimo integrantes da Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Depois da primeira reunião de auscultação realizada no dia 20 de Abril, na sede do distrito de Rapale, em Nampula, durante a qual a maior parte dos presentes exigiu respostas às suas perguntas que os representantes do ProSavana e do MASA não quiseram responder, quase todas as consultas seguintes foram antecedidas por reuniões fechadas de concertação, cooptação e instrumentalização dos régulos e do grupo acima referenciado, para que se encarregassem de intimidar e limitar a liberdade de expressão dos poucos camponeses que atenderam as consultas. Em alguns casos, a abertura e moderação das consultas pelos administradores distritais foram dominadas por discursos intimidatórios como sucedeu na vila sede de Monapo. “O Prosavana é um programa do Governo e deve avançar, não podemos ouvir a voz do anti-desenvolvimento. O Prosavana deve ser discutido pelas pessoas de Monapo e não pelas pessoas da sociedade civil que usam os camponeses para ganhar dinheiro. Por isso, devemos aceitar este programa aqui em Monapo”, disse o administrador de Monapo, Salvador Talapa. Em mais de 24 vilas e postos administrativos fiscalizados pela ADECRU e Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula, as reuniões de auscultação pública da versão inicial do Plano Director, regra geral, começaram tardiamente com, pelo menos, 30 minutos de atraso. Por exemplo, em Nametil, vila sede do distrito de Mogovolas, a reunião de auscultação pública começou por volta das 10H30 minutos, um atraso de 1H30 quando inicialmente estava prevista para iniciar às 9h00. No posto administrativo de Iuluto no mesmo distrito, o processo iniciou por volta das 13H46 minutos, isto é, teve um atraso de 46 minutos, uma vez que estava prevista para começar às 13Hh00. Também houve casos graves de alteração e trocas de dias e horários previamente anunciados, com maior incidência nas províncias de Niassa e Nampula de forma premeditada para evitar a participação e críticas de representantes da sociedade civil que muitas vezes eram aplaudidas pelos participantes. Tal é o caso do adiamento das reuniões de Nairubi no distrito de Majune em Niassa, inicialmente marcada para o dia 25 de Abril. A reunião de Mutuali em Malema marcada para as 13 horas do dia 27 de Abril foi adiada para o dia 28 do mesmo mês e a de Malema sede que deveria ser no dia 28 de Abril decorreu um dia antes. A legitimidade perdida por causa do incumprimento da lei e pela rejeição do ProSavana por amplos sectores da sociedade moçambicana sobretudo comunidades e organizações camponeses do Corredor de Nacala, dadas as suas potenciais e fatais consequências, não pode ser recuperada ao preço de uma suposta e pretensa auscultação pública, cuja base jurídico-legal se desconhece até pelo próprio MASA e Governo de Moçambique, que viola a lei e retira direitos de acesso à informação, consentimento informado, participação democrática, e à margem de um Estudo de Avaliação de Impacto Ambiental. Lamentamos e repudiamos que o Governo se tenha transformado no maior violador da Lei, opondo-se de forma intolerante aos direitos e conquistas sociais e constitucionais e esteja agora a impor uma parceria triangular com o Brasil e Japão cujas consequências fatais atingirão cerca de 4.5 milhões de moçambicanos sobretudo as populações e comunidades camponesas. O Programa ProSavana e o conexo processo de auscultação pública do Plano Director é uma afronta à conquista histórica dos camponeses e das comunidades locais moçambicanas que lutaram pela libertação da terra e dos homens/mulheres durante mais de 10 anos e resistiram contra a ocupação estrangeira em mais de 500 anos. Acusar os camponeses e as comunidades locais de baixa produtividade, de desflorestamento e elevada taxa de natalidade para justificar a viabilidade do ProSavana e do agronegócio liderado pelo Brasil e Japão é também um grave equívoco e um insulto à inteligência das mulheres e dos homens livres que deve ser desfeito. Invadir e expulsar as populações e as comunidades camponeses das suas terras para promover o agronegócio brasileiro e japonês é promover a ocupação estrangeira contra a qual o Povo moçambicano deve resistir implacavelmente inspirado pelo artigo 14 da Constituição da República de Moçambique que estabelece que “A República de Moçambique valoriza a luta heróica e a resistência secular do povo moçambicano contra a dominação estrangeira.” Priorizar a soberania alimentar e investir na agricultura camponesa agroecológica baseadas em sistemas de produção e não em culturas, ou seja, a não destruição da lógica produtiva familiar que para além de questões económicas incorpora sobretudo a lógica de ocupação de espaços geográficos, a dimensão social e antropológica, adoptando políticas de acesso ao crédito rural, serviços públicos de extensão agrária, sistemas públicos de irrigação, valorização das sementes nativas e resistentes às mudanças climáticas, infra-estruturas rurais ligadas à criação de capacidade produtiva e políticas de apoio e incentivo à comercialização rural, é defender soluções sustentadas e soberanas a favor dos moçambicanos. O Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA) em vigor desde 2011 corporiza todas as regiões geográficas do Pais e bases para a formulação de uma abordagem e estratégias básicas para o desenvolvimento agrário do Corredor de Nacala. Não procede, portanto, a alegada pretensão principal defendida pelos proponentes do ProSavana de “contribuir para o aumento da produção e produtividade, segurança e diversificação alimentar em Moçambique e para a promoção do desenvolvimento humano do país” dado que este mesmo objectivo já foi definido e garantido no PEDSA. Saiba-se que os propósitos e fundamentos do Prosavana estão desalinhados e até são contra as prioridades nacionais. Sob o ponto de vista técnico, a base metodológica que norteou a elaboração do Draft Zero do Plano Director é bastante elementar e fraudulenta, destituída de um mínimo de rigor científico para ser validada e remetida à auscultação pública. Este documento revela que os seus proponentes desconhecem profundamente o contexto, os entraves e prioridades para o desenvolvimento da agricultura em Moçambique. O documento assume a produtividade agrícola como o objectivo central, no entanto, ao dimensionar as causas da baixa produtividade aponta a agricultura de pousio como o principal factor. Tal conclusão é falaciosa, manipuladora e assenta sobre uma base científica bastante frágil e tendenciosa, pois a agricultura de pousio é o principal factor da conservação da fertilidade dos solos e, por via disso, do aumento da produtividade, como vários estudos constataram nos ganhos obtidos nas duas últimas décadas nas culturas de milho, feijões e amendoim. Outrossim, o documento declara o combate ao pousio por via da titularização individual da terra e uso massivo e intensivo de fertilizantes, cujo objectivo final é encontrar terras para promover investimentos, ou seja, é um mecanismo de usurpação de terra que pretende ser legitimado por uma política pública. Vale lembrar que na “Nota Conceptual do Prosavana”, um documento publicado pelo então Ministério da Agricultura (MINAG), preconizava-se a criação de um banco de terras do Corredor de Nacala cuja finalidade era a promoção do agronegócio. De acordo com o Comunicado de Imprensa sobre a auscultação pública à volta da versão inicial do Plano Director do ProSavana “ o estudo foi elaborado pelas equipas técnicas dos três países e discutido com os produtores e organizações da Sociedade Civil Moçambicana ao longo de 2012-2013”. A ADECRU e a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula repudiam esta mentira grosseira e inadmissível segundo a qual terá havido discussão do estudo do Plano Director “com os produtores e organizações da Sociedade Civil Moçambicana ao longo de 2012-2013”. Saiba-se que o referido estudo nunca foi tornado público e desconhece-se o seu paradeiro. Aproveitamos a oportunidade para exigir a imediata divulgação deste estudo citado pelo MASA se é que existe. Aliás, qualquer discussão que se queira fazer sobre o ProSavana incluindo a auscultação pública do Plano Director deve ser feita também na presença das tais “equipas técnicas dos três países” e liderada por estes e não somente por representantes do MASA e do Governo moçambicano que muitas vezes desconhecem o conteúdo do documento. Que o Povo moçambicano neste ano de grandes e decisivos desafios sobre o aprofundamento e consolidação da Paz e da Democracia encontre o caminho da justiça social e da igualdade fraterna inspirados pela mensagem de exortação pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal de Moçambique-CEM (2012): “Devemos por isso comprometer-nos seriamente com o bem-estar da Nação, tornando-nos participativos na gestão dos problemas que afectam a convivência democrática, a paz e o bem comum. A todos os que têm responsabilidades públicas solicitamos que se esforcem cada vez mais em proceder com justiça e transparência na gestão do bem comum, na consciência de que ninguém é proprietário ou dono dos bens que pela própria natureza pertencem a todos os cidadãos deste país…Cooperem, portanto, em nome daqueles que lhes confiaram mandato, com todas as forças da sociedade civil e da política para eliminar a crescente desigualdade social que existe entre os irmãos da mesma família moçambicana…” A ADECRU e a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula reafirmam a sua missão e compromisso social e de defesa dos direitos humanos e da dignidade humana no País e no Mundo. Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais |
"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"
quarta-feira, 13 de maio de 2015
SELO: Exigimos a Suspensão e Invalidação Imediata da “Auscultação Pública do Plano Director do ProSavana”
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