“Durante dois anos em Roma só almocei uma vez com Guebuza”
O antigo chefe de relações exteriores da Renamo e chefe da delegação nas negociações de Roma diz que havia poucas oportunidades para “um social” com a delegação do Governo. Só houve uma ocasião, e essa, por sua iniciativa.
Qual é a sua opinião sobre o estágio da paz 20 anos depois?
20 anos depois, a paz que temos é uma paz do calar das armas. É aquilo a que chamo paz militar. É o que estamos a viver ao longo destes 20 anos. Tenho receio de dizer que Moçambique está efectivamente em paz. Prefiro dizer que estamos apenas num tempo depois do calar das armas. Estamos na possibilidade de uma convulsão social ou política, porque não estão a ser respeitados muitos aspectos, quer do Acordo de Paz, quer da constituição. Basta olhar para o que acontece em cada eleição quanto ao nível de participação dos eleitores. Perguntamo-nos: por que em 1994 as pessoas se interessaram por eleições, e agora não? Estamos a falar de um partido dominante que, do ponto de vista legal, o é porque tem o Parlamento, o Executivo, tem nomeado quase todos os membros do judiciário, mas esse partido, do ponto de vista de legitimidade, é eleito pela minoria. 80% da população não vai votar e não sabemos por que esta população não está a votar. Isto significa que, um dia destes, podemos acordar com um 5 de Fevereiro ou 1 e 2 de Setembro.
É mais difícil manter a paz do que fazer a guerra...
A paz, tal como o poder, faz-se com o simbolismo. É por isso que vemos pessoas vestidas de branco, soltam pombos nas celebrações. No caso da oposição e do partido no poder, por que nunca os vemos juntos nas praças no dia 4 de Outubro? Que mensagem os mentores da paz estão a lançar para a sociedade? O simbolismo desta paz militar é a constituição das FADM. O simbolismo que existe é ao nível de discursos, mas a materialização destes discursos ainda é uma miragem. O meu apelo é que, ao celebrarmos os 20 anos da Paz, os jovens peguem nesses discursos e os tornem materializáveis.
Levando-nos de volta a Roma, para o período das negociações, como é que era a convivência entre as delegações que se encontravam nas negociações?
Em Roma não tivemos muitas ocasiões para convívio, mas há um aspecto que tentámos cultivar, que era o informal. Para além do momento formal com os mediadores, observadores e a imprensa, nós desenvolvemos um momento informal, no qual trocávamos ideias e opiniões longe dos media e da imprensa. Eu próprio e o chefe da delegação do Governo promovíamos debates sobre aquelas coisas que não havia consensos, para que, de uma forma informal, sem compromissos, sem pressão da imprensa e de observadores, encontrássemos soluções. e por vezes encontrávamos. Chamávamos a isto o cultivar de uma confiança mútua.
Vamos falar de um outro informal... Havia momentos em que as duas delegações privavam, saíam juntas a um café, um jardim ou mesmo conversar e confraternizar?
Para ser franco, eu recordo-me apenas de um almoço entre os dois chefes de delegações. Foi uma iniciativa minha que os mediadores consideraram-na muito ousada. Garanti que o senhor Armando Guebuza havia de aceitar, e, por acaso, aceitou. Estávamos acompanhados pelos membros das nossas delegações. eles ficaram numa mesa e eu e o chefe da delegação da Frelimo estivemos numa outra. Era esta uma forma de procurarmos aproximação.
Onde é que aconteceu esta conversa informal?
Lá na Comunidade Santo Egídio havia um espaço que estava consagrado para isso.
Há quem diga que a maioria das decisões que corporizaram o Acordo Geral de Paz de 4 de Outubro de 1992 foi conseguida nos corredores e não na mesa das negociações como tal. Confirma a informação?
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