Não obstante a presença de estrangeiros, a esmagadora maioria dos membros do
grupo são moçambicanos, oriundos maioritariamente dos distritos de Mocímboa da
Praia, Palma, Macomia e Quissanga, mas também do planalto de Mueda, do litoral
de Nampula e da província do Niassa, entre outras regiões. Segundo as
estimativas, o número efectivo de membros tem sido variável, oscilando entre os
1000 e os 2000 homens. Os ataques a pequenas aldeias são realizados por grupos
de dimensões reduzidas, compostos sobretudo por cidadãos moçambicanos. Nos
ataques a Mocímboa da Praia e a Palma o grupo recorreu a mercenários
estrangeiros, grande parte oriundos da Tanzânia, existindo referências a
indivíduos “brancos” entre os machababos. Não obstante a existência de um
comando central que coordena ataques, o grupo possui várias chefias
intermédias, com poderes diversos e com relativa autonomia, permitindo alguma
iniciativa. Entre os líderes moçambicanos do grupo estão claramente
sobrerepresentadas as populações da costa, entre Palma e Macomia, geralmente
falantes de mwani. O poder dos indivíduos tende a advir do domínio do Islão,
contactos internacionais e capacidade militar. Os líderes de topo vão trocando
de nome, razão porque podem aparecer conhecidos de diferentes formas. Em função
do simbolismo islâmico, os sucessivos nomes vão traduzindo o poder do indivíduo
no seio do grupo. A partir dos relatos de pessoas que foram raptadas e que
conviveram com os líderes dos machababos, é possível identificar algumas
lideranças, por volta de Abril de 2021, onde consta, inclusivamente, uma
mulher.
1.1 Bonomado Omar
O líder do grupo é largamente conhecido na região, ainda que por vários
nomes. Textos jornalísticos (CJI, 14.09.2020) referenciam-no por Bonomado
Machude Omar ou Ibn Omar, aparecendo também designado por Omar Saíde ou Sheik
Omar. Os relatos sugerem que Omar foi trocando frequentemente de nome, sendo
actualmente conhecido por Nuro Saíde ou Abu Surakha. Omar nasceu em Palma no
povoado de Ncumbi e, aos 5 anos, ficou órfão de pai. A família viajou para
Mocímboa da Praia e a mãe juntou-se com outro homem, localmente conhecido por
Mze Tchidi. O padrasto introduziu Omar no Islão, que foi estudando e
aperfeiçoando. Finalizou a 10ª classe na Escola Secundária Januário Pedro em
Mocímboa da Praia e, de acordo com antigos professores, era um jovem calmo, bom
aluno e bom jogador de futebol. Depois de atingir a maioridade, cumpriu o
serviço militar na marinha em Pemba, findo o qual residiu no internato do
African Muslim, finalizando a 12ª classe. Torna-se um elemento carismático
junto de outros jovens, conhecido pelo seu sentido de justiça e de proteção dos
mais novos. Um dos seus passatempos era jogar futebol. Devido à estatura
elevada (entre 1,80 e 1,90m) e pelo facto de jogar no meio campo, adquiriu a
alcunha de Patrick Vieira¹. Por volta de 2008 e 2009 trabalhou no mercado
Maringué em Pemba, onde vendia hortícolas e roupas muçulmanas, por conta de um
comerciante estrangeiro (as versões variam entre tanzaniano e somaliano).
Viajou para a Tanzânia e para a República da África do Sul. Regressou a
Mocímboa da Praia onde dinamizou uma mesquita e uma barraca de venda de
quinquilharias, adquiridas em mercados tanzanianos ou na cidade de Pemba.
Participou nos primeiros ataques a Mocímboa da Praia e refugiou-se nas matas.
Pela sua habilidade militar e capacidade de camuflagem adquiriu localmente a
alcunha de “Rei da Floresta”. Constitui actualmente o líder do grupo em
Moçambique, assim como o elo de ligação com o exterior², recentemente
confirmado pelo US Department of State (Blinken, 06.08.2021). Omar demonstra
capacidade de comando, carisma e liderança, ditando as regras e decidindo onde
e como atacar, assim como quem se deve assassinar. É a Omar que se recorre
perante situações mais delicadas. Omar destaca-se como bom nadador. Futebol,
alcorão, condução de veículos e manuseio de material bélico constituem as suas
grandes paixões. Tem três esposas nas matas de Cabo Delgado e vários filhos
menores, inclusivamente na cidade de Pemba. À noite, circula com uma lanterna
de mineiro na cabeça, por vezes com uma escolta de motas atrás de si. Os que o
acompanham são geralmente mais velhos e experientes. Por vezes, é visto
trajando “roupa muçulmana preta”. Trata-se da figura central de um vídeo
filmado em Mocímboa da Praia em Março de 2020 aquando da invasão à cidade,
aparecendo a falar em suaíli para a população local, explicando os objectivos
do grupo. Omar coordenou o ataque a Palma em Março de 2021 e envolveu-se
directamente no processo de negociação de resgates. É conhecido por ter
bastantes relações em vários distritos de Cabo Delgado, inclusivamente no
exército moçambicano. Para além do suaíli, língua com a qual mais se
identifica, Omar exprimese fluentemente em macua, maconde e português.
1.2. Mustafá
É conhecido por ser o executivo de Omar, passando instruções no terreno,
oriundas do comandante. Tem baixa estatura (cerca de 1,55m de altura). A sua
língua materna é o mwani e fala fluentemente o suaíli, e um pouco de português.
Nasceu em Mocímboa da Praia onde cresceu e frequentou a escola primária.
Residiu no bairro Milamba, perto do campo de futebol do Benfica, onde tinha uma
barbearia, sendo localmente conhecido pelo seu apelido maconde Shinpwateka.
Durante um período de tempo Mustafá residiu em Palma, jogando para o clube de
futebol local, tendo depois regressado a Mocímboa. Foi visto no ataque a Palma
de Março de 2021, actuando sempre próximo de Omar, transmitindo ordens e
identificando, entre as pessoas capturadas, aqueles elementos que, pelas suas
competências profissionais, pudessem ser importantes para o grupo, nomeadamente
jovens com o serviço militar cumprido, médicos, enfermeiros, mecânicos ou
motoristas.
1.3. Maulana Ali Cassimo
Maulana é o nome próprio, constitui um dos comandantes mais destacados pelos
indivíduos que estiveram em cativeiro, pelo facto de se apresentar como
engenheiro agrónomo. De acordo com as testemunhas, trata-se de um indivíduo
inteligente, bem articulado na língua portuguesa e com capacidade
argumentativa. Maulana é um indivíduo claro, com cerca de 1,70m de altura. É
natural de Lichinga, tendo concluído o curso médio de Agropecuária, no
Instituto Agrário nesta cidade. É classificado de “bom aluno” por
ex-professores. Trabalhou para a Mozambique Leaf Tobacco em Tete e em Cuamba.
Alegadamente, foi após ter estado preso pela polícia (por não ter licença de
condução) que ingressou no aparelho do Estado. Entre 2014 e 2017 foi técnico de
Extensão Agrária no SDAE de Mecula. Devido ao seu envolvimento e dedicação na
sua área de extensão, Maulana chegou a ganhar um prémio provincial. É descrito
como carismático e com muita aceitação junto dos produtores. Ficou conhecido
entre os colegas por ser rigoroso nos preceitos islâmicos (rezando cinco vezes
ao dia) e por ser profissionalmente “activo” e “agitado”. É recordado por ter
demonstrado, várias vezes, a sua revolta em relação à atitude das autoridades
para com garimpeiros (em Mariri, na localidade de Mbamba) e caçadores furtivos
na reserva do Niassa. Os colegas destacam a veemência com que criticava a
extorsão de bens e detenção de jovens garimpeiros, justificando que a
agricultura não constitui uma actividade rentável e que os jovens não dispunham
de outras alternativas. Em defesa dos garimpeiros, com quem tinha relações,
insurgia-se abertamente contra as autoridades do distrito, inclusivamente
contra o Administrador e Secretário Permanente. A partir de 2016 envolve-se na
organização de uma mesquita e perde interesse pela sua actividade profissional.
A radicalização do discurso, incluindo a proibição de crianças de frequentarem
a escola, levou ao encerramento da mesquita pelo Estado. Neste processo foi
impedido de utilizar a motorizada do SDAE (que colocava ao serviço das suas
actividades religiosas) gerando-lhe um grande descontentamento e revolta. Em
Julho de 2017 abandonou o posto de trabalho e deixou de ser visto em Mecula. Os
colegas foram informados que se tinha dirigido para Cabo Delgado para receber
formação religiosa, para posteriormente abrir uma mesquita em Mecula, onde iria
receber um subsídio de 60 mil meticais, bem superior ao salário que auferia do
Estado. Com o início do conflito armado, juntou-se aos insurgentes nas matas de
Mocímboa da Praia, tal como muitos outros jovens de Mecula. A esposa ainda
tentou juntar-se ao marido em Cabo Delgado, mas foi detida pela polícia nesse
processo, residindo actualmente em Lichinga com os seus dois filhos, assim como
a família do marido. Maulana participou nos ataques a Mocímboa da Praia e a
Palma.
1.4 Rosa Cassamo Rosa
Cassamo nasceu em Cabo Delgado, em distrito que desconhecemos. Antes de aderir
ao grupo rebelde possuía três enormes machambas. É descrita como uma mulher
clara e bonita, mãe de cinco filhos, entre os quais três meninas. Duas das suas
filhas foram prematuramente casadas por insurgentes e levadas para as matas.
Rosa foi chefe de logística em Ilala e Mucojo (distrito de Macomia) e, através
da posição do seu marido, Ibraimo Mussa³, adquiriu poder e influência local.
Hoje é considerada de mãe, no seio de insurgentes, desempenhando um papel
importante na mobilização de várias mulheres do seu povoado, para ingressassem
na insurgência. Entre os rebeldes, Rosa é considerada a “rainha da magia
negra”, existindo rumores de práticas mágico-tradicionais, envolvendo relações
sexuais com guerrilheiros, como forma de reavivar poderes mágicos (prática
dominada de “freemason”).